La Paz y la subversión de la Paz. Martinho Junior
A PAZ E A SUBVERSÃO DA PAZ!
A PAZ DO NÃO ALINHAMENTO E A PAZ DO ALINHAMENTO NEOLIBERAL, UM SÉRIO BALANÇO POR FAZER!
ESTE TEXTO FOI ELABORADO COMO UMA CONTRIBUIÇÃO ASSINALANDO O 46º ANIVERSÁRIO DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA E INTELIGÊNCIA DE ANGOLA (29 DE NOVEMBRO) E EXORTANDO À CONTINUAÇÃO DOS TRABALHOS DA COMISSÃO DE HISTÓRIA NO ÂMBITO DE TODA A COMUNIDADE, HONRANDO O PASSADO, A MEMÓRIA E OS ENSINAMENTOS DO CAMARADA PRESIDENTE ANTÓNIO AGOSTINHO NETO E COM ISSO HONRANDO SEU PENSAMENTO E ACÇÃO GEOESTRATÉGICA NA LONGA LUTA PELA BUSCA DE PAZ EM ANGOLA, E NAS REGIÕES CENTRAIS E AUSTRAIS DE ÁFRICA!
A paz do Não Alinhamento activo foi impulsionada pelo Presidente António Agostinho Neto, de meados de 1976 até à sua morte a 10 de Setembro de 1979, enquanto ele pôde fazer dessa luta uma das “pedras de toque” do seu pensamento geoestratégico, até ao último suspiro!…
… O ousado projecto que foi insuficientemente abordado pelo camarada Iko Carreira por razões inerentes à doença que o atingiu e ao paulatino afastamento a que foi votado, escapava à bipolaridade engendrada pelo império na sua dilecta “Guerra Fria” que tinha África como um dos campos de manobra e domínio!…
… A paz neoliberal em função das transformações globais, foi impulsionada sem alternativa por quem o seguiu, fundamentalmente em função do Acordo de Bicesse a 31 de Maio de 1991 e começou por ser uma paz moldada na agenciada via da terapia neoliberal, no seguimento dum choque manipulado pela aristocracia financeira mundial e o “hegemon” unipolar que na década de 90 do século XX e primeira década do século XXI, esteve sob seu inteiro domínio!…
Balancear esses dois parâmetros tão distintos, é fazer a avaliação que toda a África precisa, se alguma vez pretender seguir a trilha libertária da lógica com sentido de vida, ou se alguma vez pretender tratar com lucidez, coerência e vontade própria o seu próprio e inadiável renascimento!
De facto o socialismo em África pouca oportunidade teve para a paz e enquanto houve de algum modo luta armada, os seus princípios, doutrinas, ideologias e prática serviram a contento!
01– A luta pela paz Não-Alinhada protagonizada pelo pensamento e obra geoestratégica do camarada Presidente António Agostinho Neto deu seguimento imediato à retomada das fronteiras que se havia seguido à Proclamação da Independência que fez surgir a República Popular de Angola.
A ruptura era essencialmente com o colonialismo português pelo que, sem esquecer os outros contraditórios, muito pelo contrário tendo-os bem presentes, tendo em conta as jornadas épicas do MPLA que antecederam os anos antes da Proclamação e o próprio ambiente do 11 de Novembro de 1975, a luta pela paz nas fronteiras e em toda a extensão do território impunha-se.
Não era algo novo, pois durante todo o período da guerrilha o MPLA muitas vezes tentou corresponder a uma frente comum com a FNLA, algo que se foi protelando indefinidamente, mas era oportuno tentar uma vez mais quando a responsabilidade acabava por ser assumido perante todo o povo angolano!
A Proclamação foi pois a 11 de Novembro de 1975 e durante todo o Iº semestre de 1976 o esforço foi vocacionado para a retomada das fronteiras, abarcando todo o território nacional, ao mesmo tempo que as primeiras medidas abrangentes do novo estado eram introduzidas.
Entre os estados Não-Alinhados, a República Popular de Angola inspirou-se particularmente na República Popular do Congo e ponto de também o MPLA se transformar em Partido de Trabalho, a 10 de Dezembro de 1977, durante o seu Iº Congresso.
As bases de pendor socialista que mais serviram de retaguarda ao MPLA em ruptura com o colonialismo português e o “apartheid” (desde logo no âmbito do Exercício Alcora que começou a ser instalado por via da presença da South Africa Defence Forces no sudeste de Angola em 1968 e a vigorar por inteiro entre 14 de Outubro de 1970 e 25 de Abril de 1974), foram a República Popular do Congo e a República Unida da Tanzânia.
A República Popular do Congo esteve em vigor entre 1969 e 1991 e só se veio a extinguir em 1991, quando os impactos neoliberais determinaram em África a instauração das “democracias representativas” multipartidárias.
Enquanto vigorou a RPC, o Partido Congolês do Trabalho tal como na RPA, foi o único partido e as relações entre os líderes, o camarada Presidente Marien N’Gouabi e o camarada Presidente António Agostinho Neto foram sempre muito estreitas e profícuas, desde logo na luta pela paz ns regiões Central e Austral de África!
Em relação à Tanzânia também haviam excelentes relações entre o camarada Presidente António Agostinho Neto e o Presidente Julius Nyerere, pelo que durante a guerrilha o MPLA se pôde ir apercebendo, desde quando a sua sede provisória passou para Dar es Salam, dos outros focos de luta na África Austral e Central, pois a capital tanzaniana era uma obrigatória rectaguarda para a maioria das organizações rebeldes de então.
A paz em vista era uma paz animada de princípios éticos, morais e ideológicos, inerentes ao pronunciamento socialista, marxista-leninista, mas não pondo de lado a experiência acumulada, evidenciava-se pelo seu pendor organizativo, pela sua disciplina, pelo seu rigor e pelos horizontes que despontavam a curto, médio, longo e muito longos prazos!
Desse modo procurava-se aglutinar o máximo de forças num espírito e argumento de luta incessante pela unidade, coesão e identidade nacional na base do patriotismo e respeitando sempre a antropologia e a história.
Era portanto uma paz que priorizava o trabalho de massas tendo como classes fundamentais o operariado e o campesinato de modo a, em função delas, tornar-se abrangente a toda a sociedade, com os intelectuais revolucionários a terem um papel patriótico no sentido de fazer fermentar a aliança operário-camponesa inspiradora da aliança cívico-militar que permitia a resistência.
Era por fim uma paz que buscava a harmonia do relacionamento do homem com a natureza (com o ambiente), colocando a água como um factor de segurança vital no âmbito da lógica com sentido de vida que animou sempre a Libertação do continente quer do colonialismo como do “apartheid”!
Por essa razão a pedagogia era uma constante obrigação cívico-militar totalmente aberta à aprendizagem perseguindo uma trilha materialista-dialética proactiva apta à investigação e à ciência, a fim de catapultar o conhecimento.
Nessa paz combatiam-se necessariamente as divisões, fossem elas as de carácter etno-nacionalista, fossem as regionais, ou as raciais, pelo que a sociedade era vista e sentida como um todo, jamais permitindo a divisão entre o que era “civil” do que era “militar”; o termo “sociedade civil” era desconhecido por que a aliança cívico-militar urgia para fazer face ao “apartheid” e seus agentes…
A exigência e a responsabilidade cívico-militar foi colocada à prova nessa luta pela paz: ao mesmo tempo que o pensamento geoestratégico do Presidente António Agostinho Neto proclamou a luta popular generalizada para fazer face ao espectro do “apartheid” reaproveitando os enlaces propiciados pelo Exercício Alcora, ele próprio se encarregou de romper caminho para acabar com os tiros nas fronteiras e em todo o espaço nacional, o que implicou a mobilização dos instrumentos do poder de estado da República Popular de Angola.
A paz resultante dos impactos neoliberais que iria surgir após o Acordo de Bicesse a 31 de Maio de 1991 e com o choque pelo meio até 2002, se não “floresceu” nos antípodas andou lá por perto!…
02– Em 1976 foram iniciados, desde Fevereiro, os primeiros contactos exploratórios a fim de se caminhar na direcção da paz, tanto no norte/nordeste como no sul/sudeste, levando em consideração a tipologia distinta delas e de suas fronteiras
A norte a derrota das Forças Armadas Zairenses, uma parte delas empenhadas em acções dentro de Angola (em 1974 e 1975) sob os rótulos da FNLA e da FLEC, sobretudo contra a capital angolana e contra Cabinda, punha a nu a fragilidade do poder de Mobutu em Kinshasa.
A sul era todo um estendal de contraditórios que se desenrolava e só a arrogância “institucionalizada” do “apartheid” e dum Savimbi “cristão-democrata” ultraconservador (conforme o que sempre quis o Le Cercle aproveitando o signo de Cecil John Rhodes) procuravam, em estreita consonância, obstinadamente fazer-se prevalecer.
… A sul além do mais, a tendência para o reaproveitamento do Exercício Alcora, tendo em conta o “peso” do Le Cercle, acabaria por ser determinante na decisão duma “border war” que por via do antecedente agenciamento de Savimbi se prolongaria para dentro de Angola, o que só por si justifica, na sombra, a não extinção da PIDE/DGS em África e a renitência do “apartheid” na sua vocação de continuar a guerra…
As duas linhas que norteavam o pensamento e a acção geoestratégica do camarada Presidente António Agostinho Neto na busca da paz tinham o mesmo cariz prático:
A norte foi importante cortar, nos entendimentos entre o Presidente angolano e o Presidente Mobutu, a continuidade dos esforços armados de duas organizações que afectavam a porosidade das fronteiras comuns – o Front National de Libération du Congo, FNLC, que ameaçava o Zaíre e a Frente Nacional de Libertação de Angola, FNLA, que ameaçava Angola depois da Proclamação da Independência.
O Zaíre comprometeu-se em não apoiar, para efeitos de acções armadas, a FNLA, a FLEC e a UNITA, o que passou a ser sentido ao longo dos dez anos seguintes!
Quanto a Angola, que em nada havia incentivado o FNLC a entrar no Zaíre e desestabilizar o regime de Mobutu, encontrou forma de a nível interno aplicá-lo no quadro de suas próprias necessidades e sustê-lo a nível externo.
A sul seria importante no mesmo sentido neutralizar os esforços armados da SWAPO (que deveria ganhar a Namíbia a coberto das sucessivas Resoluções Especiais do Conselho de Segurança da ONU que culminaram na 435, de 29 de Setembro de 1978 e não pela via armada) e da etno-nacionalista UNITA, filtrada desde o seu início pelos poderes conjugados do colonialismo e do “apartheid”, conforme ao “enquadramento” do Exercício Alcora e do “Le Cercle” (segundo a trilha, entre outros, do empenhamento, por exemplo, de Jaime Nogueira Pinto, “Jogos Africanos”).
De notar que em relação à Namíbia ocupada pelo “apartheid” (que a chamava de Sudoeste Africano), as Resoluções Especiais do Conselho de Segurança da ONU sucediam-se particularmente desde 1976: a 385 (de 30 de Janeiro de 1976), a 431 (1978), a 432 (de 27 de Julho de 1978) e finalmente a 435.
… Em ambos os casos, por parte do camarada Presidente António Agostinho Neto prevalecia a visão do Não-Alinhamento activo, pelo que os pressupostos da “Guerra Fria” impostos pelas potências extracontinentais protagonistas ficavam esbatidos por que ao fim e ao cabo faziam parte dos tabus a vencer!…
Foi o camarada Presidente Marien NGouai que a 28 de Fevereiro de 1976 recebeu em Brazzaville os Presidentes zairense e angolano com vista ao arranque dos esforços de normalização de relações com um horizonte de paz entre os dois estados vizinhos.
Foi essa reunião o encontro inaugural do ciclo de busca de paz em Angola e na região.
Essa primeira iniciativa levou também a que o camarada Presidente António Agostinho Neto enviasse a Kinshasa, em Junho de 1976, o Comandante Monstro Imortal (que iria participar na tentativa de golpe de estado do 27 de Maio de 1977), nas vestes de emissário especial, a fim de continuar as conversações.
Muitos oficiais da DISA e da Segurança do Estado se empenharam no leque de missões que a busca da paz a norte implicou.
Esse facto desmonta uma parte das campanhas de que a DISA tem sido alvo, por que foi um dos organismos que se aplicou no conjunto das missões de busca de paz a norte e a sul.
As iniciativas que se sucederam marcaram os últimos anos de vida do camarada Presidente António Agostinho Neto, ele sim, o substantivo “arquiteto da paz”!…
Tudo o que surgiu mais tarde após a sua existência, deu-lhe continuidade noutros moldes que não os de sua época e sofreram paulatinamente os impactos capitalistas neoliberais na forja durante a 2ª metade da década de 80 do século XX, mas particularmente por via e a partir do Acordo de Bicesse de 31 de Maio de 1991, conjugado com o fim do “apartheid”, a renitência desesperada do regime de Mobutu e o protagonismo de Savimbi no choque neoliberal entre 1992 e 2002!…
Foi a partir dessa forja que as campanhas contra a DISA começaram a ganhar mais fôlego ainda, dentro e fora das fronteiras, provocando o agravamento de contraditórios internos no início dos impactos neoliberais antes do 31 de Maio de 1991!
Para o neoliberalismo havia que se fazer tudo para não se voltar à República Popular e portanto gazer tudo para, desestruturando os Serviços de Segurança, adaptá-los para os parâmetros da “nova era” que se avizinhava, quaisquer que fossem os sacrifícios internos que isso impusesse, como é historicamente demonstrável (o autoafastamento do camarada Lúcio Lara tem tudo a ver com essas “transformações” intestinas que pouca coisa de pacífico tiveram!…
03– A norte as possibilidades de paz ganharam vigor na sequência das invasões do FNLC a território zairense, a Iª entre 8 de Março e 26 de Maio de 1977 e a IIª entre 11 de Maio de 1978 e 28 de Junho de 1978 (data da retirada dos paraquedistas belgas que fizeram a intervenção).
Nessa IIª incursão algumas unidades da UNITA acorreram em socorro do regime de Mobutu, actuando em emboscadas próximo da fronteira comum, entre 27 de Maio e 6 de Junho de 1978.
Ficou demonstrado que as duas invasões tinham sido de inteira responsabilidade do FNLC; quer a RPA, quer Cuba em nada caucionaram ou influíram, muito menos deslocaram forças para apoiar.
O Presidente Mobutu, por um lado perante a derrota e a impotência das Forças Armadas Zairenses, por outro tendo em conta as pressões dos Estados Unidos, da França, da Bélgica e até de Marrocos, (que não estavam interessados em socorrer constantemente o regime e não queriam turbulências nas áreas de actividade mineira), acabou por aceder com mais afinco e ter de se sentar à mesa das negociações face a face ao camarada Presidente António Agostinho Neto.
O Presidente angolano conseguiu mesmo aceitação pela corrente de Jimmy Carter que sabia que as duas incursões (1977 e 1978) levadas a cabo pelos katangueses que integravam o FNLC sobre a liderança de Nataniel MBumba foram de sua única iniciativa e não haviam sido nem aprovadas, nem sustentadas, quer pelos angolanos, quer pelos cubanos.
O Presidente António Agostinho Neto queria que Jimmy Carter influísse também na paz a sul/sudeste e todo o processo redundasse no reconhecimento da RPA por parte das administrações estado-unidenses.
O embaixador angolano de carreira Manuel Eduardo Bravo, revelou a 26 de Agosto de 2021 no Novo Jornal (“43 anos da Cimeira Agostinho Neto-Mobutu Sese Seko”) que Jimmy Carter disse a propósito que «»we have no direct evidence at all that there are Cubans within Zaire = nós não temos evidências nenhumas de que hajam cubanos no Zaire.»»
De facto as Forças Armadas Revolucionárias de Cuba, assegurado o êxito da Operação Carlota e a retomada de todo o território nacional, sabendo por outro lado que a Operação Savana terminara em Janeiro de 1976 com os efectivos das SADF a abandonar Angola, já haviam reduzido seus efectivos em 12.000 homens, antes de Março de 1977…
O camarada Presidente António Agostinho Neto, no seguimento dos contactos que foram ocorrendo desde Fevereiro de 1976, deslocou-se em missão a Kinshasa nos dias 19 e 20 de Agosto de 1978 para essas conversações, apesar dos seus camaradas lhe terem chamado a atenção para os riscos, escaldados que estavam com os golpes de 18 de Março de 1977 (assassinato do Presidente da RPC, Marien NGouabi, em Brazzaville e de 27 de Maio de 1977 em Luanda, RPA).
Foi montada pelos instrumentos de poder de estado da RPA uma vasta missão para o efeito, abarcando as duas capitais, Brazzaville e Kinshasa e, a fim de finalmente garantir uma fronteira sem combates, foram especialmente sacrificados os esforços de desestabilização da FNLA em Angola e do FNLC no Zaíre, com os chefes dessas organizações a serem colocados longe da região Holden Roberto em Paris e Natanael MBumba em Bissau)…
O Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), braço armado da FNLA acabou e seus efectivos, por via do transitório Comité Militar da Resistência em Angola, COMIRA, com as conversações a prolongarem-se, propiciarem a entrada de 1.800 efectivos e mais de 30.000 seus familiares em Angola, com os militares a ingressarem nas FAPLA, tal como seu comandante o General Afonso Tonta de Castro, no ano de 1983, menos de 4 anos após o falecimento do camarada Presidente António Agostinho Neto.
O Presidente José Eduardo dos Santos, que sucedera ao primeiro Presidente da RPA, a norte/nordeste só teve de dar sequência à vocação de paz lançada por seu antecessor nos encontros com o Presidente Mobutu e levar a cabo os necessários contactos…
Outros quadros que eram da FNLA seguiram os efectivos do COMIRA, entre eles Johny Pinock Eduardo (reentrada em Outubro de 1984); Johny Pinock Eduardo foi o membro que antes superentendeu por parte da FNLA ao Governo de Transição em Angola (decorrente do Acordo de Alvor de 15 de Janeiro de 1975)…
Nas fronteiras a norte e leste com o Zaíre deixaram de haver escaramuças sensivelmente entre 1978 e 1988… seriam retomadas mais tarde quando o “apartheid” conseguiu que a UNITA continuasse com a disseminação de suas linhas de subversão nas direcções leste, centro e norte, a partir do encontro na Jamba entre o Presidente Pieter Botha e Savimbi, agente Spyker (Spike) dos “carcamanos”, em 1982…
Savimbi “emoldurava” dizendo que “o inimigo de meu inimigo é meu amigo”!…
04– A sul os esforços foram simultâneos começando também em meados de 1976!
Mesmo não havendo a força intermediária ao nível dum Presidente como o camarada Marien Ngouabi, houve um conjunto de contactos exploratórios que no terreno beneficiavam do juízo favorável de Jimmy Carter, contactos esses que ocorreram entre meados de 1976 e a tentativa do golpe de estado do 27 de Maio de 1977.
As South Africa Defence Forces retiraram do território angolano no fim da Operação Savana em Janeiro de 1976, (o que por si só justificava a retirada de 12.000 efectivos das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba até Março de 1977) e iniciaram um período em que não realizaram operações de vulto, o que facilitava e criava espectativas favoráveis à progressão dos contactos exploratórios em busca da imediata paz a sul/sudeste, tal como aconteceu.
As SADF só lançariam outra operação de grande envergadura em território angolano (Operação Reindeer, Operação Rena), a 4 de Maio de 1978…
O que terá influenciado o “apartheid” na opção pela guerra, ao invés de respeitar as Resoluções Especiais do Conselho de Segurança sobre a Namíbia que escudavam as iniciativas da RPA para os contactos exploratórios?…
A RPA, de acordo com o pensamento e acção geoestratégica do camarada Presidente António Agostinho Neto pretendia a paz na fronteira e em todo o território e por isso a SWAPO, a coberto das Resoluções Especiais do Conselho de Segurança da ONU, deveria por legitimidade e direito entrar desarmada na Namíbia assumindo os encargos em prol da independência se houvesse acordo com o “apartheid” e à UNITA, assim como ao Batalhão Búfalo, o que ficaria disponível era algo similar à trilha ELNA-COMIRA e FLEC, de forma a integrar os efectivos nas próprias fileiras da FAPLA e o seu quadro político em função duma progressiva distensão!
A esse propósito é preciso equacionar que o “apartheid” sabia que a persistência na “border war” iria provocar, no mínimo, um cada vez mais rápido e intenso isolamento internacional e por isso medir o factor tempo era muito sensível…
Entre os acontecimentos que o regime do “apartheid” teve então oportunidade para balancear tratando-os como favoráveis aos argumentos da continuação da guerra, estão dois:
- O golpe de estado bem-sucedido de 18 de Março de 1977 em Brazzaville, que custou a vida do camarada Presidente Marien Ngouabi;
- A tentativa sangrenta do golpe de estado do 27 de Maio de 1977 em Luanda, que haveria de atiçar os contraditórios internos do MPLA e de algum modo fragilizar a República Popular de Angola, em especial os seus instrumentos de poder de estado (com sinal evidente para a campanha de propaganda que nos seus próprios termos teria provocado o “sacrifício” da DISA)!…
Na perspectiva do “apartheid” as Não-Alinhadas Repúblicas Populares, por muito activo que fosse esse Não Alinhamento na direcção da paz, por muita capacidade que houvesse mesmo na generalização da resistência popular conforme ao caso da RPA como um esforço de contenção, ao procurarem evitar os pressupostos da “Guerra Fria” tornavam-se apetecíveis alvos a abater por via da adopção da “guerra ao comunismo” (mais tarde o próprio agente “Spike” haveria de publicamente regozijar-se pelo desaparecimento dos “P” no imediato seguimento do Acordo de Bicesse a 31 de Maio de 1991 e evocou sempre a “guerra ao comunismo” para tentar fazer prevalecer os seus argumentos)!…
… Então percebe-se que ao balancear paz e guerra (“border war”), os dois golpes de estado, o bem-sucedido na RPC e o mal-sucedido na RPA, contribuíram para o “apartheid” se decidir pela continuação da guerra!…
05– As conexões internacionais típicas do Le Cercle optaram assim pela continuação da guerra, reaproveitando os termos do Exercício Alcora, em particular os seus “jogos de inteligência” que tanto têm a ver com os parâmetros de sua superestrutura ideológica “anticomunista” e com isso evocando sempre, à força de guerra psicológica, propaganda e contrapropaganda, a “Guerra Fria”, sem dar espaço algum ao Não Alinhamento activo e à paz que se buscava!
O Coronel Jan Breytenbach foi um dos artífices dessa reorganização que derivou para a formação da 44º Brigada Paraquedista, do Batalhão 32, Búfalo e das Forças Especiais, Reccs, tudo isso enquadrado na aplicação de novos conceitos para a continuidade em moldes adequados da “broder war”!
Toda a geoestratégia da “border war” iria contar com essas forças!
Decididos pela opção da guerra em 1978, numa reunião do Presidente Pieter Botha, acompanhado pelo Chefe do Estado-Maior das SADF, General Magnus Malan, em 1982 foi decidida a utilização da UNITA como instrumento de desestabilização para dentro de Angola, num esforço em crescendo:
Primeiro Savimbi instalou o esforço de guerrilha (o cerco às cidades a partir do campo) polvilhando o território centro-sul de regiões militares que, quando se juntavam, davam origem a frentes, em 1984 começou a introduzir os Batalhões Semi-regulares (uma das primeiras acções foi o ataque ao Sumbe, que ocorreu a 24/25 de Março de 1984), por fim criou os Batalhões Regulares em 1986, preparando-se para as grandes confrontações que deram corpo sobretudo à batalha do Cuito Cuanavale.
O “apartheid” foi para a opção de guerra um instrumento fulcral respondendo aos novos conceitos no sentido do reaproveitamento do Exercício Alcora, que continuou desde logo nos procedimentos de inteligência sob determinação do Le Cercle (o que explica também a “nomadização” do português Jaime Nogueira Pinto para a assessoria a Savimbi e a Dlakhama durante o choque neoliberal, conforme ao seu próprio livro “Jogos Africanos”, para depois de 2002, quando se deu início à terapia neoliberal, fazer a deriva na ligação aos “cabos de guerra” das FAA)!
A nova “cruzada” do Le Cercle face ao avanço da Linha da Frente que passou de informal a formal, continuando a “cruzada” colonial e seus enredos implicados no Exercício Alcora, deu continuidade ao socorro do “apartheid”, implicando o reaproveitamento, do próprio Exercício Alcora, desde logo nos termos de inteligência, pois os governos do “arco de governação” em Portugal, instalados pelo golpe do 25 de Novembro de 1975, sem a extinção da PIDE/DGS em África, garantiam os inevitáveis enlaces… que incluíram na superestrutura os ultraconservadores cristão da Alemanha, da França e da Itália, eles próprios representantes da poderosa indústria de armamento desses países!
Os golpes de estado na RPC e na RPA, comprovam o jogo cinzento de sombras inteligentes da órbitra do Le Cercle e suas práticas de conspiração, marcando no poder do “apartheid” um momento de indecisão, que acabou por o levar a uma interpretação desses sinais como tendentes a fortalecer os argumentos da opção pela guerra, à custa das legítimas pretensões do camarada Presidente António Agostinho Netro que queria ver Angola e as regiões circunvizinhas em paz!
Assim sendo, os fraccionistas do 27 de Maio de 1977, estando na órbitra da esfera de influência e manipulação do Le Cercle contra o Não Alinhamento activo, tiveram uma quota-parte de responsabilidade na continuidade da guerra, com todas as consequências de destruição e de sangue que isso implicou!
É por isso que para o “hegemon” houve que ser garantida a continuidade da propaganda fraccionista “contra a DISA”, por parte de alguns dos seus implicados, assim como de alguns dos seus apoios ou conexões, pois com isso procuram tapar, ou desviar a atenção, sobre a zona cinzenta que anima os jogos de influência da “massa ccrítica” afim ao Le Cercle, que os manipula, os atiça e os equaciona em toda a sua manobra de ingerência contra o MPLA e Angola!…
É também nesse enredo que actua o “historiador” Carlos Pacheco contra a figura do camarada Presidente António Agostinho Neto, rebuscando as pistas da PIDE/DGS e interpretando-as como se fosse um dos inspectores dessa “polícia” em idade de reforma, (tirando partido do facto de que em África a PIDE/DGS jamais havia sido desmantelada)!…
Como corolário, tudo isso pode confluir para o argumento da rede de inteligência que hoje continua a ser uma importante franja da UNITA “multipartidária” e mobilizadora dos termos da terapia neoliberal, cujos homens da antiga “segurança” (Brinde), foram cooptados pelas inteligências dos países de guarida, incluindo pelo sistema Le Cercle (é o caso de Adalberto da Costa Júnior).
Um dos princípios da propaganda e da contrapropaganda em relação ao campo inimigo ou adversário é semear a discórdia, dividir, mentir obstinadamente, subverter a objectividade em relação aos acontecimentos e moldar as interpretações de forma a satisfazer seus próprios interesses e conveniências sobrepondo à concorrência, nos mais latos termos da guerra psicológica da agressão contra o Sul Global!…
É precisamente isso que tem sido feito, por que também o Le Cercle, experiente nas suas sucessivas “cruzadas”, tem um papel no quadro do “hegemon” e de seus instrumentos como a NATO, ou o Africom, ou não fossem os representantes da indústria de armamento tão fundamentais para a superestrutura ideológica e os “jogos de inteligência” que propiciam!
Martinho Júnior, Luanda, 23 de Novembro de 2021.