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Angola, ruptura, liberación y vida – II

(Continuación de Angola, ruptura, liberación y vida – I)

ANGOLA, RUPTURA, LIBERTAÇÃO E VIDA – II.

TRINCHEIRA DE LIBERTAÇÃO.

UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA DAS RAZÕES PORQUE “A LUTA CONTINUA” DESDE A SAGA ANTICOLONIAL, AO ANTIIMPERIALISMO INTERNACIONALISTA DE NOSSOS DIAS.

Aproveitar o rótulo de “história” a fim de produzir e sistematizar propaganda contra Angola, contrariando frontalmente os propósitos angolanos sintetizados na mensagem do hino que clama às presentes e futuras gerações a “honrar o passado e a nossa história, construindo no trabalho um homem novo”, tem sido em Portugal uma pródiga conduta, que se alimenta do saudosismo colonial-fascista inerente às correntes dominantes de pensamento e acção emitidas pelo “hegemon” e “iluminando” os sucessivos governos do “arco de governação” representativos da avassalada oligarquia portuguesa, assim como de apêndices como o esquerdismo de feição e a ultradireita que alargou ainda mais o assento parlamentar.

Todas as narrativas produzidas nessa perversa esteira, aproveitam os processos estruturalistas das abordagens correntes com sentido histórico mas sem o completarem na devida dimensão, a fim de empolar as tonalidades da propaganda pinceladas de emoções subvertendo a busca da coerência, da fiabilidade, da fidedignidade e da verdade, com um refinado “cocktail” filtrado por traumas, ressentimentos e ódios sobre o alvo a abater que foi a República Popular de Angola e é Angola até aos nossos dias.

Os propósitos neoliberais dessas correntes com essas narrativas alinhadas, são evidentes, influindo nos impactos da “terapia” que em Angola dá sequência ao “choque” de Savimbi por via da “guerra dos diamantes de sangue”, induzida com escala em Portugal e outros componentes da União Europeia e da NATO, integrando os dispositivos de inteligência da UNITA (a Operação Madeira não parou no tempo e tem sido reaproveitada porque os vínculos do passado são cultivados de geração em geração).

O fraccionismo do 27 de Maio de 1977 prolonga-se até hoje inscrito no vigor dessas campanhas, que a todo o transe procuram inviabilizar não só as capacidades dialéticas de se entender a história desde a necessidade de ruptura contra o colonialismo e o “apartheid”, mas também impossibilitar perceber as razões causais e as dinâmicas dos fenómenos por vezes tão contraditórios por dento do movimento de libertação em África, o que só favorece os etno-nacionalismos.

Além da República Popular de Angola, um dos alvos principais dos propagandistas do fraccionismo é a figura do Presidente António Agostinho Neto, que assumiu a condução da luta armada de libertação nacional numa vanguarda em ruptura contra o colonialismo, o neocolonialismo e o “apartheid”, numa trilha de Não Alinhamento activo e resoluto que teve necessariamente que impedir o acesso ao poder do estado angolano, de qualquer uma das tendências etno-nacionalistas filiadas na esteira neocolonial do próprio “hegemon”.

Com tudo isso as propagandas correntes contra Angola procuram subverter a busca de liberdade na direcção da autodeterminação, da independência, dum exercício saudável de soberania e dum Não Alinhamento consequente capaz de, dando sequência ao próprio movimento de libertação em África, consolidar a paz a fim de melhor se garantir em termos de lógica com sentido de vida, capacidades de projectar geoestratégias para um desenvolvimento sustentável e de gestação duma imprescindível cultura de inteligência patriótica para Angola.

 

07– É o entendimento de toda a longa luta de libertação em África que é afrontada desde a Europa e dos Estados Unidos, em estreita conexão com os resíduos do “apartheid” e de facto, tanto quanto o possível, reaproveitando-os.

Não há outra forma de se recriar elitismo e exclusivismo na África Austral e com isso procurar burilar os vínculos e os termos de feição e conveniência, por vezes aplicando até a cor verde quando os interesses se reflectem nos Parques e Reservas Naturais, uma parte deles transfronteiriços.

As versões que se debruçam desde o início da actividade do MPLA reflectem essa azáfama que é um campo de manobra dos propagandistas que usam e abusam do rótulo de “historiadores”, para além das evidentes insuficiências daqueles que perfilham o redutor estruturalismo aplicado aos contenciosos históricos.

Por isso se torna tão importante fazer as devidas abordagens históricas de ruptura, no momento em que se preparava a luta armada de libertação, quando o MPLA, entre 1960 e 1962, esteve sob a direcção do Presidente Mário Pinto de Andrade.

Esse curto período foi importante para o MPLA começar a mobilizar na diáspora (incluindo em Portugal), sair da Guiné Conacry, instalar-se em Léopoldville (Kinshasa) em finais de 1961 e começar a esboçar as sínteses-analíticas proactivas que marcaram tanto as suas primeiras intervenções nos cenários diplomáticos internacionais em que se passou a empenhar, como nas suas actividades “no terreno”.

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Fundação Mário Soares – Pasta 04356.002.003 – Unidade Angolana, órgão de combate do MPLA – Assunto Primeiro número do jornal, lançado em Leopoldville; na p´+agina 3, Declaração do Presidente do MPLA, Mário Pinto de Andrade, proferida a 30 de Outubro de 1961 em Leopokldville – Número: 1 ano – Arquivo Mário Pinto de Andrade – Tipo Documental; imprensa – http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04356.002.003

Foi uma primeira forja operativa que se estabeleceu, a primeira escola dos que se engajaram na luta desde a primeira hora, autênticos oficiais de inteligência e operativos, com capacidade de informação e análise, indispensáveis qualidades que iriam garantir fidelidade, coesão e unidade, tudo vocacionado num quadro de lógica com sentido de vida.

Logo nos primeiros anos o MPLA com o Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados, (CVAAR) e a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos consolida sua identidade humana e social em estreita identidade com o povo angolano, marcando a diferença desde logo nos expedientes de mobilização em relação aos etno-nacionalismos.

Desde o início dessa saga, com Mário Coelho Pinto de Andrade e Viriato Francisco Clemente da Cruz (Secretário-Geral), houve a reafirmação da ruptura e o compasso lógico de transição em busca das bases da organização, da necessidade de definição de estratégica e da busca de enquadramento do seu líder.

Depois dos documentos de 1960, o MPLA começa a assumir-se:

  • Participa na 1ª Assembleia da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) em Casablanca, Marrocos, entre 18 e 20 de Abril de 1961, contribuindo para abrir o quadro de luta de libertação pan-africanista de Argel ao Cabo;
  • Integra em Leopoldville (actualmente Kinshasa) cada vez mais meios humanos semiclandestinos em função dos largos milhares de refugiados angolanos fugidos da repressão colonial (o MPLA recebeu o seu certificado das autoridades congolesas a 15 de Março de 1961);
  • A 7 de Novembro de 1961 o Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados, (CVAAR) interconectava-se ao MPLA no regime de semiclandestinidade que foi imposto pelo regime de Leopoldville (o CVAAR chegou a ter quase tantos médicos e enfermeiros quanto o recém independente Congo);
  • O MPLA interconectou-se também, em regime de semiclandestinidade, com a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos, UNTA, conforme à declaração da UNTA de 12 de Março de 1962;
  • A Direcção procura vencer a semiclandestinidade oficializando a sua presença no Congo, o que impôs o início da tensão contraditória em relação à aliança no poder do Congo (Kasavubu-Mobutu) com o etno-nacionalismo da UPA-FNLA, que se tornava sua emanação transfronteiriça, explorando os nexos com os descendentes dos soberanos do Reino do Congo;
  • Das primeiras experiências nasceu o reconhecimento e a decisão do Presidente Mário Coelho Pinto de Andrade de por via de eleições internas se colocar na Presidência António Agostinho Neto, a fim de gerir os contraditórios do momento que se avolumavam de forma insolúvel (1962/1964), superintender a manobra politica e diplomática, assim como galvanizar a luta armada de libertação nacional para dentro de Angola a partir de então, em estreita conexão com a manobra clandestina dentro do território angolano;
  • O Exército Popular de Libertação de Angola, EPLA, reunindo os primeiros destacamentos treinados na Argélia, em Marrocos e no Gana ganhou forma, mas é abolido em 1963, sendo pouco a pouco substituído pelo Corpo de Guerrilheiros.
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O portal da história – história de Portugal – CRONOLOGIA DA GUERRA NO ULTRAMAR – DE 1961 A 1974 – A Guerra em Angola, Moçambique e Guiné. – https://www.arqnet.pt/portal/portugal/guerrafrica/cron1961.html

Essa foi uma época que uma organização em antítese, com mobilização popular ainda insipiente, enfrentou imensos desafios, a época da “Vitória ou Morte”, mas tudo isso foi necessário para definir um rumo inequívoco, capaz de numa base de mais que legítima lógica com sentido de vida (a luta armada de libertação era também uma intensa luta pela sobrevivência, além de o ser por direitos que sempre foram negados ao povo angolano), resgatarem-se séculos de opressão e repressão típicos da escravatura e do colonialismo à portuguesa, conquistar-se palmo a palmo a autodeterminação, a independência e a saudável soberania a que se aspirava e aspira.

A presença dos resíduos da “africanização da guerra” ontem e hoje (segundo o “modo português de fazer a guerra” formatado nos padrões do “Le Cercle”, do “apartheid” e do general Charles “Pop” Frazier, como é testemunhado pelo livro “Alcora, o acordo secreto do colonialismo”), consubstanciou-se no aproveitamento contínuo dos etno-nacionalismos (em Angola grupúsculos da FLEC, da UPA/FNLA, da UNITA e, muito mais recentemente, do Movimento do Protectorado Português Lunda-Tchokwe, MPPLT), o que se reflecte na democracia multipartidária desde o seu projecto emanado em Bicesse, a 31 de Maio de 1991…

 

08– Enquanto, correspondendo ao “diktat” colonial-fascista de Salazar, a Forças Armadas Portuguesas embarcavam para “Angola e em força”, o movimento de libertação em África procurava os primeiros passos de sua afirmação, sinais imediatos de que em relação a Angola, o MPLA se destacava como vanguarda de luta contra o colonialismo, mas também contra o neocolonialismo personificado no tandem do poder de então em Leopoldville (actualmente Kinshasa, a capital da hoje República Democrática do Congo).

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Dos veteranos da guerra do ultramar – Angola, Guiné e Moçambique – 26 e 27 de Junho de 1961 – Chegada a Luanda do 5.º e 6.º contingentes de tropas – Fotos de desfiles em Luanda, ocorridos nos dias 26 e 27Jun1961 na Avenida Paulo Dias de Novais, ilustrativos da chegada dos 5.º e 6.º contingentes do Exército Português destinados a reforço da guarnição militar de Angola – Desfile do Batalhão de Caçadores 141 – http://ultramar.terraweb.biz/Efemerides_Angola_26_27Jun1961.htm

Isso implicou nos primeiros contraditórios internos, porque a organização da luta armada só poderia abrir caminho se tivesse uma tão legítima quão consistente arma ideológica do seu lado a fim de mobilizar numa extensão popular de grande dimensão, dentro e fora do espaço nacional.

A expressão diplomática tinha que ver com o embrião dessa organização de vanguarda por que seria longa a luta no rumo determinado do Não Alinhamento activo, capaz de poder articular alianças internacionalistas e solidárias também elas a muito longo termo (conforme o exemplo da passagem do Che pelo Congo com recurso a duas colunas, em 1965, uma delas, a que foi destacada para Brazzaville, com um quadro de missões que integraram o apoio solidário e internacionalista à guerrilha do MPLA).

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OS ASSALTOS DE 4 DE FEVEREIRO EM LUANDA E O MASSACRE DE 15 DE MARÇO NO NORTE DE ANGOLA – ANTECEDENTES – Tenente-Coronel António Lopes Pires Nunes – As ocorrências em Angola no 1º trimestre de 1961 – https://www.revistamilitar.pt/artigo/906

Perceber o que foi acontecendo em 1962 e 1963 no MPLA, é sensível para se perceber as razões causais dos fraccionismos desde então vivenciados com amplas motivações externas, sempre numa base de, criando divisões, impedir os esforços de vanguarda emergentes da ruptura contra o colonialismo, o neocolonialismo e o “apartheid” (emanações do imperialismo) e mobilizadores da libertação popular cada vez mais generalizada.

As resistências internas ao líder e à sua definição estratégica, por parte da tendência dirigida por Viriato Francisco Clemente da Cruz num quadro de guerrilha que afectava apenas cerca de 6% do território nacional, criaram enormes dificuldades à afirmação do MPLA particularmente nos dois primeiros anos da Presidência do Presidente António Agostinho Neto, contribuindo para de algum modo inviabilizar a unidade da luta armada com a FNLA, retraída enquanto etno-nacionalismo dependente de Leopoldville.

 

09– Foi a seguinte a trilha do Presidente António Agostinho Neto sucessor de Mário Coelho Pinto de Andrade nesses dois anos:

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Fundação Mário Soares – Pasta 07223.002.034 – Assunto: treino militar em Marrocos: Agostinho Neto, Africano Neto, Mário Pinto de Andrade e Hoki ia Henda (na 2ª fila) – Inscrições: fronteire Maroc, 1962, Julho – Fundo: arquivo Mário Pinto de Andrade – Tipo documental: fotografias – http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=07223.002.034

  • António Agostinho Neto (Presidente Honorário do MPLA) e família mais chegada, desembarcam em Marrocos, a 2 de Julho de 1962, o que possibilitou desde logo o começo do balanço sobre o estado do MPLA e, ao mesmo tempo a possibilidade de a nível internacional se ter conhecido essa fuga (“Libération”, “The Guardian”, “Le Monde”, “La Nation Africaine”, “L’Humanité”, “The Ethiopian Herald”, “Rádio Pequim” e “Rádio Praga”), o que nos dá uma ideia da capacidade de conexão informativa do próprio MPLA na época, na direcção dos meios públicos e diplomáticos de cobertura europeia, africana e asiática;
  • António Agostinho Neto à sua chegada em Agosto de 1962 a Leopoldville, deu conta das grandes fragilidades internas e da precariedade de inserção do MPLA no Congo, num ambiente muito tenso, remetido à semiclandestinidade;
  • Dadas as circunstâncias, o Presidente Mário Coelho Pinto de Andrade, em princípios de 1962, entendeu declarar à agência marroquina MAP, que a chegada de Agostinho Neto punha termo às suas funções no MPLA e que o MPLA precisava ser imediatamente reestruturado;
  • Já com um inventário adiantado e sabendo das enormes debilidades ideológicas, organizativas e estruturais, o Presidente Honorário do MPLA a 10 de Agosto de 1962 dá a sua primeira conferência de imprensa em Leopoldville, indicando que era necessário lutar pela unidade das forças empenhadas na luta armada de libertação nacional contra o colonial-fascismo português, num momento de ordem táctica que procurava desbloquear o regime de semiclandestinidade, segundo os parâmetros neocoloniais impostos pelo Congo, o que foi animado com a saída do 1º número do periódico “Vitória ou Morte”, a 25 de Agosto de 1962;
  • Em Dezembro de 1962 realiza-se então em Leopoldville a 1ª Conferência do MPLA, que elege o camarada António Agostinho Neto para a Presidente do Comité Director do MPLA;
  • Logo a seguir à 1ª Conferência do MPLA, em finais de Dezembro de 1962 e princípios de 1963, o Presidente António Agostinho Neto procurando desanuviamento e apoios, visitou a ONU e os Estados Unidos, obtendo muito parcos resultados;
  • Face ao entrelaçar dos contenciosos, durante todo o ano de 1963 radicalizou-se sintomaticamente a tensão interna que acabou com a expulsão de Viriato Francisco Clemente da Cruz que, passando a integrar a FNLA-GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio criado a 5 de Abril de 1962, beneficiando de financiamentos dos Estados Unidos e imediatamente reconhecido pelo poder instalado no Congo), provocou a impossibilidade da unidade do MPLA com a FNLA, nos termos duma luta armada comum contra o colonialismo português. o que resultou na imposição de medidas neocoloniais mais drásticas sobre o MPLA no Congo Leopoldville;
  • Por essa altura, todas as tentativas de acção armada, incluindo as do transitório Exército Popular de Libertação de Angola, EPLA, redundaram em fracasso, com dois episódios sangrentos principais redundantes de ataques da UPA/FNLA – Fuesse, em Outubro de 1961 e travessia do Loge, em Abril de 1963;
  • Iniciando a luta em conjunturas neocoloniais pressionantes cada vez mais adversas, a 21 de Outubro de 1963 as instalações do MPLA são oficiosamente encerradas em Leopoldville, o que foi seguido pelo encerramento oficioso do CVAAR, a 29 do mesmo mês;
  • Em Julho de 1963, o Presidente António Agostinho Neto e família, por razões de segurança viram-se entretanto obrigados a sair de Leopoldville, instalando-se e começando a instalar o MPLA no outro lado do rio Congo, em Brazzaville, numa altura em que o primeiro Presidente do Congo (a ex-colónia francesa), o abade neocolonialista Fulbert Youlou, é deposto por sindicalistas e por membros das Forças Armadas que elevam à Presidência o líder progressista Alphonso Massamba-Débat;
  • Em Novembro de 1963 a polícia congolesa da ex-colónia belga expulsou o MPLA de Leopoldville e encerrou os escritórios do MPLA e do CVAAR sob pretexto de não fazer parte do GRAE e que eram organizações que ilegalmente se proclamavam de angolanas;
  • A tentativa de resposta (a partir de Brazzaville), no sentido de premente necessidade de unidade na luta armada, com a criação da Frente Democrática de Libertação de Angola (FDLA), envolvendo o MPLA e as organizações MDIA, NGUISAKO e UNTA e num quadro proposto à paridade com o GRAE, trouxe ainda mais dissabores internos;
  • Nessa altura houve a demissão de Mário Coelho Pinto de Andrade e a aderência dum número muito reduzido de quadros em torno do Presidente António Agostinho Neto – os camaradas Lúcio Lara, Iko Carreira, Luís de Azevedo Júnior, o Dilólwa, o João Vieira Lopes, o Eduardo Macedo dos Santos e o Aníbal de Melo, entre poucos mais;
  • A nível de estratégias internas a liderança de Agostinho Neto pouco a pouco saiu reforçada no plano político, mas sobre um mar de escombros no seio do MPLA, enfraquecido pelo desgaste provocado pelo neocolonialismo das linhas Adoula, Tschombé, Kasavubu e Mobutu, pela ascendência do prestígio da FNLA-GRAE no continente africano e pelos moldes da saída de Viriato Francisco Clemente da Cruz e Mário Coelho Pinto de Andrade;
  • A passagem para Brazzaville, em tempos de “Vitória ou Morte” funcionou como uma fuga da asfixia em que o MPLA se encontrava em Leopoldville e permitiria uma paulatina reorganização e reordenamento das capacidades, procurando recuperar prestígio em África e começar a actividade de penetração militar;
  • As duras provas de sobrevivência por que o Presidente Agostinho Neto e o MPLA haviam passado nos anos de 1962 e 1963, temperou-os paulatinamente na disposição de luta, enfrentando as mais diversas vicissitudes, responder com tenacidade, firmeza e clarividência a todo o tipo de infortúnios que adiante viessem a surgir;
  • Tudo foi sujeito a revisão, reformulando-se por completo a organização;
  • O Exército Popular de Libertação de Angola, EPLA, é abolido em 1963, sendo pouco a pouco substituído pelo Corpo de Guerrilheiros;
  • É com o Corpo de Guerrilheiros que se incrementou a formação ideológica introduzindo os Centros de Instrução Revolucionária e a figura dos Comissários Políticos;
  • Primeiro com o camarada Lúcio Lara, depois com o camarada Iko Carreira, foram sendo reforçadas as medidas de segurança em função das contrariedades tão adversas, apesar de alguns episódios de alto risco que o MPLA enfrentou, ou precisamente por causa disso;
  • Em Março de 1963 foi produzido o Relatório nº 1 dirigido ao Departamento de Segurança, (o único documento que nos 3 tomos de “Um amplo movimento” se refere explicitamente a uma orientação de segurança); o documento contém elementos informativos de carácter estratégico e tático, assim como em relação a questões externas como internas (pela primeira vez se dava conta do exercício da internacional fascista, “redes stay behind” da NATO do âmbito do “Le Cercle”, na direcção de Angola).

 

10– Entre 1962 e 1963 toda essa situação resultou na intrínseca decisão e vontade de tornar cada vez mais a orientação ideológica marxista-leninista numa arma de luta em antítese ao colonialismo, uma arma de luta em prol da mobilização, da acção, da organização, da guerrilha, da diplomacia e da propaganda, apesar dos riscos de novas cisões (contradições secundárias inevitáveis no próprio seio da organização), bem como um esteio para a mobilização humana e o processamento de dados de informação, análise e produção de sínteses-analíticas nas condições de luta armada de libertação nacional, recorrendo ao materialismo dialético, perante múltiplos e exigentes desafios que se sobrepunham:

  • Desafio interno para lançar com êxito movimentos operativos armados, no quadro da luta armada de libertação nacional para dentro do território de Angola a partir da fronteira norte e em direcção à 1ª Região Político-Militar e Luanda;
  • Desafio interno para sair da asfixia organizativa, estrutural, financeira e de mobilização humana, em resultado da expulsão de Viriato Francisco Clemente da Cruz e do abandono de Mário Coelho Pinto de Andrade, (que entretanto reduziu as suas actividades ao âmbito da CONCP);
  • Desafio interno, a médio prazo, para enfrentar o rescaldo do abandono, nos termos em que foi produzido, de Mário Coelho Pinto de Andrade, que mais tarde haveria de voltar, para se decidir a integrar a Revolta Activa;
  • Desafio interno em prol da afirmação da vanguarda em ruptura e já com o sentido na libertação, distanciando-se dos enredos ideológicos, práticos e provido de enlaces retrógrados por parte das sensibilidades e correntes etno-nacionalistas, algumas delas tacitamente influenciadas pelo pré-projecto de “africanização da guerra” por parte do colonial-fascismo (por exemplo, a criação da Brigada Salazar nos Dembos, em resposta à revolta armada em 1961);
  • Desafio externo para lançar as bases do Não Alinhamento activo do MPLA, (decisão da 1ª Conferência do MPLA), apesar das pressões coloniais, neocoloniais e imperialistas (as duas últimas em evidência enquanto o MPLA se manteve instalado no Congo, Leopoldville);
  • Desafio externo apto a vencer o carácter neocolonial de muitos estados africanos recém autodeterminados, com múltiplas influências e articulações internacionais, que providenciavam amplo espaço de manobra à UPA/FNLA com base em Leopoldville (Kinshasa).

 

11– Provocar fraccionismos no MPLA desde então passou a ser uma tentação para interesses e conveniências neocoloniais a soldo do “hegemon” ainda em formação no início da década de 60 do século XX num quadro de IIIª Guerra Mundial não declarada contra o Sul Global desde último dia da IIª Guerra Mundial, desde quando foram lançadas as bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, ainda que o Japão, a potência oriental do Eixo, já estivesse derrotado!…

Jamais houve fraccionismo algum que eclodisse dentro do MPLA que não correspondesse a vínculos inteligentes externos nessa alargada esteira, constituídos em renovadas teses que pouco a pouco foram correspondendo a redes “stay behind” e se isso causou perturbações de toda a ordem, consolidou na altura o processo dialético sob a liderança do Presidente António Agostinho Neto, sujeito a esse tipo de provas desde o início da década de 60 até à sua morte (e em relação ao que veio depois).

Os mais diversos argumentos eram concentrados quando se produzia a divisão, até porque a luta era (foi) longa, sujeita a um concerto muito alargado de vicissitudes, traumas, sacrifícios penosos, distâncias avassaladoras, vivências distintas, tensões de toda a ordem e a filtragem inteligente das autoridades colonial-fascistas, cada vez mais refinadas nos processos de guerra de contrassubversão…a fervorosa aspiração à independência acicatava as disputas, particularmente à medida que se tornou palpável que a autodeterminação e a independência era mesmo inevitável.

Fraccionar o MPLA enquanto vanguarda foi um ofício constante desde as iniciativas de “africanizar a guerra”, o que mobilizou as mais diversas correntes e serviços de inteligência que tinham que ver com o “hegemon” e as potências coloniais, grande parte delas garantes dos expedientes etno-nacionalistas, o que viria a acontecer também desde a origem da forja fraccionista que desembocaria no 27 de Maio de 1977.

Essa forja que os da propaganda fraccionista que já leva décadas deliberadamente escondem porque em nada convém fazê-la lembrar muito menos espevitar a sua pesquisa, foi construída dentro das prisões da PIDE/DGS em Angola, procurando mobilizar a contento as redes clandestinas do MPLA, “os do interior” contra os que a partir “do exterior” protagonizariam a guerrilha, tendo como foco a vulnerável Iª Região Político-Militar do MPLA, sobre a qual recaiu o grosso da resposta-tese de Salazar consoante sua ordem de “para Angola e em força”.

Esse esforço de inteligência e infiltração, passou tacitamente a fazer parte da tese colonial-fascista, apanhada em desenvolvimento nas suas linhas de força quando ocorreu o 25 de Abril de 1974.

A quadrícula apertada que as autoridades coloniais desenvolveram contra a Iª Região Político-Militar (Iª RPM) do MPLA (Dembos e Nambuangongo), era imperativa estratégia desde o 4 de Fevereiro de 1961, refinando-se até ao fim do colonialismo.

O colonial-fascismo procurava desde logo impedir que a guerrilha de vanguarda alcançasse Luanda já de si filtrada pela luta clandestina e por isso, além de vulnerabilizar e fragilizar cada vez mais essa RPM, ao isolá-la iniciou também a forja de divisionismos que estão na base de mobilização (infiltrações na Iª Região Político-Militar do MPLA, ao mesmo tempo em que se procurava dividir desde as prisões as redes clandestinas, na via da óptica dos protagonistas “do interior” contra os “do exterior”, opção de que seria ideólogo, desde a sua passagem pelas prisões, Eduardo Artur Santana Valentim, Juca Valentim).

Na “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África – 2º Volume – Dispositivo de Nossas Forças em Angola” podem-se constatar os mapas das quadrículas militares das Forças Armadas Portuguesas que actuaram tão intensa quão densamente sobre a Iª RPM do MPLA.

Para se ter uma ideia, a 15 de Janeiro de 1962 haviam sido instalados em Angola 29 batalhões, dos quais 4 em Luanda e 21 na Zona de Intervenção Norte (ZIN) considerada a “zona sublevada”, o que equivale a 90% do efectivo operacional total; a 31 de Dezembro de 1962 os batalhões já eram 35, dos quais 4 na capital e 23 na ZIN, cerca de 80% do efectivo operacional total…

As quadrículas militares foram acompanhadas de malhas administrativas, policiais, paramilitares e de segurança, pelo que na Zona de Intervenção Norte, a asfixia colonial-fascista aproximava-se dum sufoco total logo nos primeiros anos de actividade do movimento de libertação em África (de recordar que muitas mobilizações que haviam começado por acção da UPA, passaram vertiginosamente para o MPLA).

Muitas infiltrações eram feitas a partir de pequenas fazendas de café ou de suas dependências (em muitas delas, ou à sua ilharga, estavam instaladas as unidades militares de ocupação), ou das casas comerciais que operavam os mercados de café e eram pequenas organizações de crédito para os pequenos agricultores angolanos e suas famílias, pois a PIDE/DGS, as autoridades administrativas e organizações como as Tropas Especiais, os Grupos Especiais a Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil (OPVDCA) e a Guarda Rural, eram um manancial imenso para o trabalho dos Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola (SCCIA).

O colonial-fascismo haveria de conseguir organizar filtragens etno-nacionalistas noutras regiões até ao fim da década de 60: a norte, a FLEC e a FNLA, penetradas por via de conexões no Bas Zaíre e em Kinshasa, em especial durante os primeiros anos da vigência de Mobutu e no centro-sul-leste a UNITA, por via da Operação Madeira, que se tornou apêndice do Exercício Alcora.

Era portanto muito tentador fazer forjar mais um etno-nacionalismo em Luanda e arredores (dando sequência a outros desde a dissidência de Viriato da Cruz dentro do MPLA), a fim de procurar a todo o transe reverter a favor do neocolonialismo o que estava a ser posto em causa pela vanguarda MPLA em torno do líder que era o Presidente António Agostinho Neto, na luta armada de libertação contra o colonialismo e o “apartheid”: a imensa saga da luta pela assunção ao poder em Luanda, antes, durante e depois da Proclamação da Independência a 11 de Novembro de 1975!

MEMÓRIA DA “HISTÓRIA DE ANGOLA” PUBLICADA EM ARGEL EM JULHO DE 1966 – CENTRO DE ESTUDOS ANGOLANOS – GRUPO DE TRABALHO HISTÓRIA E ETNOLOGIA.

EXTRACTO DA ÚLTIMA PARTE, “COMENTÁRIO FINAL”.

“… O período de libertação é o período entre duas fases da História de Angola (a fase colonial e a fase de independência. É o período em que as forças representando o progresso (o povo angolano) e as forças representando a reacção (o colonialismo) se chocam de forma muito aguda – a guerra. E por ser assim, durante o período de libertação já não estamos na fase colonial, mas também ainda não estamos na fase de independência. Estamos por isso , numa fase de transição que nos conduzirá fatalmente à independência.

Ora nós que estamos do lado da Pátria Angolana, queremos que essa Pátria Angolana seja a negação completa da Colónia de Angola. A negação completa da Colónia de Angola, que é Angola, país independente, exige que o neocolonialismo seja afastado definitivamente da nossa terra.

Para isso, a luta do Povo Angolano não pode parar só na destruição do domínio do colonialismo português, porque senão não ficam liquidadas as causas principais da exploração colonialista: o domínio económico do imperialismo. A vitória sobre o colonialismo português será um passo em frente, mas não é o fim da marcha do Povo Angolano para o Progresso e para a Liberdade”.

17 de Junho de 2021


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