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Angola, ruptura, liberación y vida – III

(Continuación de Angola, ruptura, liberación y vida – II)

ANGOLA, RUPTURA, LIBERTAÇÃO E VIDA – III.

CULTURA DE VANGUARDA NA LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO.

UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA DAS RAZÕES PORQUE “A LUTA CONTINUA” DESDE A SAGA ANTICOLONIAL, AO ANTIIMPERIALISMO INTERNACIONALISTA DE NOSSOS DIAS.

A historiografia à portuguesa, durante séculos que, em relação a África e tendo em conta que do lado africano houve uma insuficiência gritante de registos escritos, foi produzindo narrativas que primaram pela ausência de contraditórios e por isso de capacidade dialética de interpretação.

Isso tem influenciado nas narrativas históricas até aos nossos dias, distorcendo conteúdos também por causa de filtragens ideológicas e colocando por conseguinte os autores portugueses numa grupo de intelectuais de 2ª categoria, abrindo as portas até a correntes fascistas de reinterpretação da história, como é o caso flagrante de Carlos Pacheco, no rescaldo de seus próprios traumas e saudosismos (não serão as mentes dos fascistas reprodutoras de sociopatias?)…

O que é facto é que isso serve à inteligência portuguesa em África, particularmente no caso dos relacionamentos para com Angola e é um dos instrumentalizados serviços que interessa ao “hegemon” em função do carácter da NATO e do Africom (a luta de libertação em África era-o também anti-imperialista e por isso tudo tem de ser condicionado, pelo que a liberdade não pode passar de um arremedo).

Mesmo em relação à luta armada de libertação em África contra o colonialismo português e o “apartheid” esse redutor “espírito” de vassalagem se manifesta e, por exemplo, torna os narradores incapazes de reconhecer as contradições internas da internacional fascista em África, as contradições internas das políticas colonial-fascistas e as inerentes à sua evolução quando, em função da “africanização da guerra”, elas foram obrigadas a adoptar os conceitos de “combate à subversão”.

O professor Gerald J. Bender, autor de “Angola sob o domínio português, mito e realidade”, quando muito é reduzido a notas de rodapé, apesar de na verdade, para se compreender o movimento de libertação em África e suas “zonas cinzentas” em termos de tensões de inteligência e influência, os contreúdos que ele subscreve são de muito sensível acuidade dialética…

 

12- Para o Presidente António Agostinho Neto a ambiciosa meta do seu compromisso de antítese, que era um compromisso de vanguarda, era alcançar a independência de Angola por via duma luta armada de libertação nacional que tinha sido imposta aos patriotas angolanos e por isso se tornava necessário implementar esforços de ordem dialética e geoestratégica na intensificação da ruptura contra o colonialismo, alcançando mudanças de paradigma capazes de ultrapassar todo o tipo de dificuldades e contraditórios conjunturais internos e externos, concluindo o Programa Mínimo que estava no horizonte próximo.

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O pensamento estratégico de Agostinho Neto – Iko Carreira – «Em Angola, totalmente destruída pela guerra fraticída, volta-se ao «colonialismo».
Incapaz de resolver, sem ajuda de ninguém, o conflito interno, Angola viu-se na obrigação de pedir o apoio da Nações Unidas. Estas, com o apoio de todos, mediaram a solução no conflito e enviaram os seus capacetes azuis.
Teoricamente, os capacetes azuis estão em missão de paz. Mas a esse tipo de missão, há a acrescentar a volumosa ajuda alimentar, os pequenos trabalhos que sempre realizam e a tendência para defender-se – veja-se o caso da Bósnia.
Só falta à sua actuação, uma componente económica para serem recolonizadores. O facto de integrarem, nas forças das Nações Unidas, militares de países pobres ou do Terceiro Mundo não invalida o carácter colonizador desta acção de paz. Eles estão aí em nome da comunidade internacional e é em nome dela que actuam.» – https://www.fnac.pt/O-Pensamento-Estrategico-de-Agostinho-Neto-Iko-Carreira/a65417

Essa organização então embrionária, que impunha um espírito de missão, para ser executada no colectivo, implicava persistência, capacidade de mobilização, uma visão temperada a quente da ordem tática e da ordem estratégica, uma força de vontade insuperável, um carácter perseverante compatível com a consciência dos fenómenos inerentes à luta de libertação enquanto fenómeno eminentemente dialético e um empenhamento de liderança incomum.

Esses sete anos foram assim determinantes para o lançamento e aplicação do pensamento dialético e estratégico de António Agostinho Neto, fazendo alastrar a mancha da guerrilha desde a afectação de 6%, até cobrir cerca de 42% do território.

Na Conferência de Imprensa de 3 de Janeiro de 1968, o Presidente António Agostinho Neto, depois de todos os esforços feitos a partir do momento que assumiu a Presidência e já com alguns obstáculos superados, assim como muitas capacidades instaladas e em andamento, enunciou as bases do seu pensamento dialético e estratégico que iria nortear toda a actividade do MPLA e por isso todos os seus organismos dentro e fora do território angolano:

  • Generalização da luta armada;
  • Primazia do interior em relação ao exterior;
  • Procura incessante de unidade de luta de todas as organizações patrióticas envolvidas na luta armada de libertação nacional no sentido dum amplo movimento;
  • Utilização das leituras sobre os factores físico-geográfico-hidrográfico-ambientais, a fim de melhor adequar as acções da guerrilha, “do campo para a penetração e o cerco às cidades” e reciprocamente em função das células urbanas de luta clandestina (as imprescindíveis conexões que convinham à unidade e à coesão);
  • Utilização de processos de antropologia cultural “artesanais” (a partir de elementos culturais das comunidades eminentemente camponesas em ambientes sedentários e seminómadas), para adaptação da guerrilha ao terreno e melhor entrosamento das missões para com o ambiente (tirando partido dele);
  • Íntima relação dos processos de guerrilha com a mobilização popular, (incluindo uma produção e logística alimentar comuns);
  • Educação e preparação da guerrilha (Centros de Instrução Revolucionária);
  • Educação e saúde para todos (escolas e postos de saúde nas linhas de penetração e nas bases);
  • A ideologia como arma (orientação marxista-leninista), associada aos processos de produção e gestão de dados (materialismo histórico e dialético), assim como a consciência anti-imperialista, tendo em conta os nexos neocoloniais;
  • Conhecimento e definição das teses do inimigo e dos seus amplos campos de acção e manobra externa e interna de modo a ganhar-se consciência e domínio das situações;
  • Alastramento da guerrilha num processo qualitativo e quantitativo de antítese, sucessivamente, à 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Regiões Político-Militares (RPM).

Como resultado imediato no ano de 1963 o MPLA abriu a 2ª Região Política Militar (Cabinda, “laboratório” da luta armada), com um primeiro ataque a postos da polícia portuguesa em Massabi e com o camarada Carlos Rocha, Dilolwa, a estabelecer o primeiro Centro de Instrução Revolucionária em Luobomo, perto de Brazzaville, o que significava luta para vencer as vicissitudes e as contrariedades que se registaram em Leopoldville, de que o Presidente Agostinho Neto se estava a cansar (os anos do “Vitória ou Morte”); o mais importante e carismático CIR foi o estabelecido em Dolisie, no Congo-Brazza.

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Trajectória da vida de um guerrilheiro – César Augusto Kiluanje – Editorial Vanguarda – 1990 – Do Índice – O guerrilheiro; As vicissitudes provocadas pelos massacres da UPA em Março de 1961; Os assassinatos da UPA em Março de 1961 no norte do país, mormente nas regiões de Nambuangongo, Zala, Nova Caipemba e Dembos; O holocausto provocado da UPA; O caminho até Marnia; Conhecer o Comandante Ernesto Che Guevara e o seu impacte no guerrilheiro que nasce; 2ª região, 1964, desenvolvimento da guerrilha na 2ª região; A emboscada de Outubro de 1964; A 1ª Região Político-Militar e o Destacamento Camilo Cienfuegos, 1966; Travessia do rio M’Bridge; Aspectos negativos travaram a luta na 1ª região: 1- O regionalismo e o sanzalarismo, 2- O obscurantismo, 3- A questão dos quadros; Necessidade da necessidade da luta; A UPA também utilizada pelos colonialistas portugueses para combater o MPLA; Niova apreciação do Destacamento, da Região e do Comando; A hibridez continua; Adesarticulação do Destacamento Cami, Março de 1967; A traição de Fernandes, “Mukengue”; Dois grupos de “estrategos” da guerrilhaoposto na apreciação e previsão da situação que adviria com a traição de “Mukengue”; Contradição na apreciação e previsão; Operação de envergadura jamais conhecida na Região onde o senhor general Costa Gomes, comandante-chefe das Forças Armadas Portuguesas (FAP) em Angola, participa, de helicóptero, pessoalmente; Alguns dos efeitos da Operação general Costa Gomes, 1968; Outubro de 1968; 1969, restabelecimento relativo da situação na Região; Reorganizar células clandestinas em Caxito?; Células de Calomboloca ou criação da frente interna?; Criação da frente interna; Outro papel importante que o povo desempenhou; 1970, a missão do “Monstro” no exterior e a frente interna nº1; O ano de 1972 é um ano de eclipse e de longas noites de pirilampos; O inimigo volta à carga; Aproxima-se a desarticulação da Zona “C”; O heroísmo do camarada Fernando António João, “Staline”; Esperançosios uns, desesperados outros; O gigante; Decisão original, Abril de 1974; As consequências da traição organizada; Viva o MPLA, que vivam os heróis nacionais; 3ª Região, factor decisivo no derrube do colonialismo?; A morte que fugira de nós, 1975; As 6 Frentes, 1975, direcção principal e “direcções secundárias”; A batalha de Kifangondo; O positivismo e o arrivismo de “Bakalof”, agachar-se antes de saltar; Um pequenio esxclarecimento; A indisciplina pode transformar-se em traição; A deportação, em 1967, de alguns piopulares da aldeia do Piri, para o distrito do Zaire. – https://livrosultramarguerracolonial.blogspot.com/2014/10/angola-guerra-colonial-trajectoria-da.html

De 3 a 10 de Janeiro de 1964 o MPLA, a fim de se reorganizar, disciplinar e intensificar a luta dentro de Angola, realizou uma Conferência de Quadros que aboliu a designação EPLA, criou os Serviços de Assistência Médica (substituindo o CVAAR), iniciou com Aníbal de Melo o programa Angola Combatente, adoptou a sigla Unidade Angolana abandonando o grito Vitória ou Morte e deu fôlego à guerrilha dentro de Cabinda.

Por essa altura recebeu-se material de guerra da URSS e da China (em função dos contactos feitos) e reforçou-se amplamente o mando do camarada Presidente António Agostinho Neto num rumo de Não Alinhamento Activo (revisão e progressivo apuramento da ordem estratégica e tática do MPLA, a nível externo quanto interno).

O advento de Massamba-Débat no poder no Congo Brazzaville, trouxe uma alteração sensível, favorável aos enlaces do MPLA com a sua nova rectaguarda e também perante as decisões da OUA em benefício do artifício etno-nacionalista e neocolonialista do GRAE; o GRAE começou a ser seriamente contestado, pelo que a 25 de Novembro de 1964, o Comité de Libertação da OUA reconheceu o MPLA como o único representante do povo angolano.

Em reforço conjuntural externo, sucedeu-se a independência da Tanzânia a 26 de Abril de 1964 e da Zâmbia a 10 de Outubro de 1964, permitindo abrirem-se novas perspectivas para o MPLA mudar de paradigma para além dos esforços na direcção das 1ª, 2ª Regiões Político-Militares e Luanda, o que obrigou a um reequacionar gradual dos esforços político-diplomáticos, de reconhecimento, de inteligência com pesquisa de informação e de tratamento de dados na preparação da expansão; foi um período rico para a ordem estratégica com continuadas mudanças de paradigma e implicando adaptações e mudanças táticas de vulto.

O momento propiciou que a 2 de Janeiro de 1965 o MPLA se encontrasse com o Comandante Che Guevara em Brazzaville providenciando que com Cuba começasse a haver aproximação e identidade de acção, na base ideológica e prática que se reflectiu de imediato na dinamização das novas estratégias (chegada duma esquadra de 6 instrutores a fim de aprimorar as capacidades da guerrilha do MPLA), o que se refletiu na ordem tática-operativa e no fortalecimento da tendência para a mudança de paradigma no seguimento da abertura da 3ª Região Político-Militar no Leste de Angola e tendo como rectaguarda a Zâmbia.

A abertura da representação em Lusaka ocorreu em finais de Dezembro de 1964 e em 1965 a Frente Leste é reforçada com quadros que começam a mobilizar o povo, na mesma altura que o Comandante Che instala a sua efémera coluna no Leste do Congo (1ª coluna), com a 2ª coluna a instalar-se em reforço do Congo Brazzaville.

Estabeleceu-se desse modo e com esses factos, a primeira linha da frente informal contra os territórios do que viria a ser o Exercício Alcora, a internacional colonial-fascista na África Austral, a resposta da tese ao desafio geoestratégico só obtido com a antítese do MPLA.

Foi o desafio geoestratégico e tático em antítese do MPLA, que obrigou a tese do colonial-fascismo a procurar outras respostas que estavam longe das previsões iniciais do “para Angola e em força” e foi isso que obrigou à eclosão do Exercício Alcora, não o contrário.

Em 1966 no âmbito da tricontinental, os camaradas Presidente António Agostinho Neto e José Mendes de Carvalho (Hoji ya Henda) vão a Cuba e encontram-se com o Comandante Fidel, reforçando as relações e coordenações e propiciando a ida, em Outubro de 1966, do primeiro contingente de jovens para treinos militares.

A sede do MPLA muda-se entretanto para Dar es Salam, o que contribui para provocar uma alteração geoestratégica nas linhas de logística da organização e uma adaptação que se pode considerar de excepcional por parte duma organização em luta armada pela independência em África (impossível por parte dos etno-nacionalismos, tendo em conta suas “amarras” inteligentes que determinavam as suas aplicações).

Do Atlântico ao Índico, entre Brazzaville e Dar es Salam arquitetou-se assim essa primeira linha da frente informal, que ganhou mais substância e vigor com a independência da Zâmbia; o movimento estratégico de Argel ao Cabo ficou assim reforçado, pois o MPLA começou a transferir suas articulações correspondendo à manobra; a 3ª RPM começou a explorar as linhas de penetração dos vales do Cuando e do Luena, a partir das bases (quarteis) Vitória Certa, V/C (em Lusaka), assim como Dipango, Cassamba e Chicongo, na asa oeste da “borboleta” da Zâmbia.

… Se o MPLA não aceitou participar directamente no “foco” em que o Comandante Che Guevara se implicou no leste do Congo, nem por isso deixou de contribuir desde logo para a gestação dessa linha informal cobrindo territórios sob influência francófona e anglófona!…

A subida do nível da fasquia por parte da antítese, passou a ser também um desafio face a face ao elitismo inteligente e prático herdado do império colonial britânico segundo a arquitectura de Cecil John Rhodes desde a sua “British South Africa Company”

Simultaneamente, em 1966, conseguiu-se revitalizar a 1ª Região Político Militar com a chegada do Esquadrão Cienfuegos, nas três tentativas que foram feitas a partir do Congo (Esquadrão Camy e Esquadrão Bomboko, respectivamente em Março de 1967 e inícios de 1968); incrementaram-se também as acções dentro de Cabinda (2ª RPM).

A tese colonial-fascista estremeceu e por isso a quadrícula sobre a Iª RPM teve de ser reforçada, ao mesmo tempo que novos efectivos tiveram de ser mobilizados perante a ameaça no leste e as Forças Armadas Portuguesas não tiveram outra alternativa senão buscar alianças aparentemente “contra natura” na África Austral.

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“Revista E – L’Expresso – 2 de Março de 1969 – Vietnam in Africa – É cominciata per l’Angola la battaglia finale” – https://livrosultramarguerracolonial.blogspot.com/2021/03/1_18.html

A 3ª RPM na Frente Leste é reforçada com o Esquadrão Bomboko refrescado de quadros que haviam feito cursos militares em Cuba; o movimento implicou a trasladação de efectivos por via aérea, para Dar es Salam, a entrada por terra na Zâmbia e finalmente a penetração a pé para dentro de Angola, dividindo-se em 3 Secções; a partir das 3 bases de rectaguarda na asa oeste da Zâmbia, definiram-se as rotas de penetração e os objectivos a alcançar.

Em Dezembro de 1967, os camaradas António Agostinho Neto (MPLA), Amílcar Cabral (PAIGC) e Marcelino dos Santos (FRELIMO) são recebidos pelo Papa, o que se reflecte no reforço da CONCP e confere um incentivo à progressão da luta popular de libertação nacional na direcção sul, segundo o meridiano estratégico de Argel ao Cabo, acabando com a influência da Concordata entre o “Estado Novo” e a Santa Sé, que havia sido assinada a 7 de Maio de 1940.

Esse acontecimento reflecte também ruptura na própria Igreja Católica Apostólica Romana com sede no Vaticano, pois a linha ultraconservadora inscrita no “Le Cercle”, na África Austral iria influir no pacto do Exercício Alcora, cujo arranque formal foi a 14 de Outubro de 1970, quando as South Africa Defence Forces já cooperavam com as Forças Armadas Portuguesas em território de Angola (sudeste), desde o início da Operação Bombaim, em Junho de 1968…

Na sequência cronológica, em Maio de 1968 é aberta da 4ª RPM, fortalecendo o crescimento da ordem estratégica, externa e interna do MPLA, até por que em Luanda se intensificou a luta clandestina, com derivação de actividades para outras partes do país.

Nos anos seguintes o período de expansão das linhas de infiltração do MPLA na Frente Leste, progrediram até ao ano de 1970, levando à abertura da crítica 4ª RPM (Maio de 1968) e ao início dos reconhecimentos na área prevista para a 5ª RPM (neste caso conforme narrativas em livro de memórias do camarada Dino Matross), afectando 42% do território nacional.

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“Revista E – L’Expresso – 2 de Março de 1969 – Vietnam in Africa – É cominciata per l’Angola la battaglia finale” – https://livrosultramarguerracolonial.blogspot.com/2021/03/1_18.html

A riqueza de todo esse processo dialético reflectiu-se na formação dos quadros e na sua aplicação operativa, pelo que esse período foi das escolas teóricas e práticas mais ricas para todos os que integravam a luta, particularmente para os jovens que no futuro seriam os dirigentes:

  • Houve o aumento da extensão e da intensidade da luta armada de libertação nacional em Angola (de 6% de território afectado para a afectação de 42%) e em toda a região (Moçambique, Zimbabwe e Namíbia ocupada), sem abandonar o quadro de Não Alinhamento Activo (com tensões em relação à URSS); o território abrangido em Angola perfez em 1968 sensivelmente 500.000 km2;
  • Aumentaram a quantidades de Centros de Instrução Revolucionária (CIR), à medida que surgiam as Regiões Político-Militares, o que possibilitava a formação dos operativos que integravam o MPLA;
  • Houve a passagem da linha da frente informal entre Dar es Salam e Brazzavile, mais a sul para o paralelo da Zâmbia, tornando a Zâmbia numa plataforma central de geometria variável e inteligente contra a internacional colonial-fascista na África Austral, no quadro da intensa geoestratégia de Argel ao Cabo;
  • Houve de facto a generalização da luta armada e o abrandamento nos contraditórios internos decorrentes da intensidade da luta no interior, com o suporte das rectaguardas e interconexões articuladas com outros movimentos de libertação como a FRELIMO, ZAPU, ZANU, SWAPO e ANC, na África Austral, embora não se tendo podido evitar algumas tensões com a URSS;
  • Progrediu-se em termos de luta contra o regionalismo, o tribalismo e o racismo, mesmo quando contraditórios internos tiveram a iniciativa de seguir esse tipo de caminhos que se aproximavam dos etno-nacionalismos.

Essas tensões trouxeram condicionamentos da intensidade na luta armada de libertação nacional, em função dos limites do Não Alinhamento Activo que fugia às pressões da URSS, o que se reflectiu nos apoios principalmente no quadro do fornecimento de armamentos; o MPLA não tinha meios antiaéreos que pudessem corresponder ao nível das ameaças na Frente Leste e isso não possibilitou alcançar-se mais rapidamente o nível estratégico disposto ao golpe final contra o colonial-fascismo português.

Face às contramedidas de movimento das FAP, tornou-se um desafio por vezes até de sobrevivência para além da elasticidade das linhas, a rapidez das acções de ordem tática, em especial as que exigiam coordenações múltiplas entre as penetrações e as bases em território libertado.

Face à situação e tendo sempre em atenção a população, a elasticidade da guerrilha impunha a manutenção da dispersão em pequenas comunidades, em função das linhas de água que fluíam na “rosa dos rios” angolana a partir da região central das grandes nascentes, fulcro físico-geográfico-ambiental do país, que eram também linhas de penetração; em alguns casos era preciso contornar praças inimigas para se chegar às bases no interior longe das fronteiras, o que implicava o aumento das distâncias a percorrer.

O cerco às cidades (em muitas delas haviam células de luta clandestina) a partir da guerrilha no campo e de suas rotas de penetração num conceito adaptado aos termos do Não Alinhamento Activo, era intimamente contrariado pela densidade muito baixa de ocupação do território em toda a extensa Frente Leste, o que facilitou de certo modo o poder de intervenção do inimigo, até por que a penetração do MPLA, jamais podia perder de vista a intenção do inimigo para a conter, a circunscrever e a aniquilar.

O Presidente António Agostinho Neto passou a usar o nome de “Kilamba”, o condutor (de homens) na luta armada de libertação.

 

13– Face ao pensamento dialético e estratégico do Presidente António Agostinho Neto que norteou toda a actividade do MPLA, assim como as alterações progressistas na República do Congo e as independências da Tanzânia e da Zâmbia, a internacional colonial-fascista (o colonial-fascismo português, o “apartheid” e o regime colonial de Ian Smith na Rodésia do Norte, Zimbabwe) para responder à antítese do MPLA e de outras “ameaças” a ele conjugadas (FRELIMO, ZANU, SAPU, ANC e por fim a SWAPO, assim como os apoios do campo progressista), aprofundam os seus relacionamentos trocando serviços e conexões nos territórios de Angola e Moçambique (nomeados cônsules da África do Sul em Luanda e na então Lourenço Marques, Maputo).

No arranque da convergência que se iria traduzir na aliança, deu-se início em Angola ao Plano Cunene, ao mesmo tempo que em Moçambique se estabelece o plano da barragem de Cabora Bassa (ambos com financiamentos sul-africanos) e começam-se a lançar as bases do Exercício Alcora.

A capacidade financeira do “apartheid” impôs-se desde logo e a influência providenciou a entrada de armamento, de equipamentos, de doutrinas e conceitos conforme ao estratega das South Africa Defence Forces, o general Charles Alan “Pop” Fraser, homem forte do “Le Cercle” na África Austral, coordenador das redes “stay behind” por dentro do leque de instituições colonial-fascistas e mentor da suoperestrutura ideológica montada sob o rótulo de “combater o comunismo”

Contornando (?) a NATO, mas tirando partido dos interesses “stay behind” das redes concomitantes desse Tratado (âmbito do “Le Cercle”), Portugal adquire “por osmose” capacidade conceptual, estrutural, operativa e militar, aérea, terrestre e marítima principalmente à Alemanha e França, (entre outras coisas aumentando o seu potencial aéreo de manobra de tropas e de ataque ao solo).

Entre os generais membros do “Le Cercle”, contavam-se além do Chefe do Estado Maior das South Africa Defence Forces, general Fraser (estratega inicial do Exercício Alcora) os generais António de Spínola e Kaulza de Arriaga, dois dos militares mais “conservadores” em Angola, Moçambique e Guiné Bissau, bem como, por tabela, todos os que passaram a aplicar os conceitos de guerra contra a subversão.

Outros nomes incluiriam Evo Fernandes, que esteve por dentro da criação e gestação da Renamo em Moçambique e Jaime Nogueira Pinto, assessor de Afonso Dlakhama (Moçambique) e de Savimbi (Angola), conforme seu próprio testemunho em “Jogos Africanos” de sua autoria (recorde-se que a PIDE/DGS não acabou em África, antes foi reaproveitada pela diplomacia e pela inteligência portuguesa).

A partir de 1963, os Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola haviam começado a funcionar como serviço de informações dos sucessivos Comandantes-em-Chefe das Forças Armadas, mantendo, contudo, a dependência hierárquica e administrativa do Governador-Geral.

A PIDE/DGS durante esse período, consegue neutralizar redes clandestinas afectas ao MPLA em Luanda e no Lobito, as redes do Movimento Interno Popular de Libertação de Angola, MIPLA, sendo presos muitos quadros no Missombo, em Bentiaba, na Foz do Cunene e no Tarrafal de Cabo Verde (cerca de 2.500 presos políticos).

Em consequência das ameaças da luta armada de libertação nacional, o estado colonial-fascista foi obrigado a rever a sua tão retrógrada quão cristalizada tese, começando por fazer a revisão dos seus conceitos e dispositivos, resultando entre outros, num conjunto de medidas administrativas, económicas, financeiras, militares e de inteligência que, sem alterarem o seu carácter, utilizaram meios dos seus velados aliados a fim de começar a provocar a “explosão económica” no território angolano; entre essas iniciativas contam-se as primeiras explorações de petróleo em Angola, no “onshore” a sul de Luanda (entre a foz do Cuanza e a do Longa).

O fortalecimento do Exercício Alcora que iria ser implantado na 2ª metade da década de 60, é uma resposta às sucessivas mudanças do paradigma estratégico e tático da antítese mobilizadora do MPLA contra a tese colonial-fascista, o que conduziu à instalação de efectivos militares do “apartheid” no sudeste a partir de 1968, a pretexto de perseguir os guerrilheiros da SWAPO.

A “border war” foi assim instalada de forma ininterrupta desde então, até ao colapso do “apartheid” que ocorreria no início da década de 90.

Um aparte para evidenciar desde logo o seguinte: essa “border war” iria substituir a ausência do esforço militar do colonialismo português depois do 11 de Novembro de 1975 aproveitando os ensinamentos recolhidos do Exercício Alcora, o que implicaria em enlaces dos serviços de inteligência do “apartheid” e da Rodésia com os serviços de inteligência portugueses reorganizados nos sucessivos governos do “arco da governação”, estabelecidos após o golpe do 25 de Novembro de 1975 em Portugal.

Os enlaces com Savimbi, gerados por via da “Operação Madeira”, tiveram assim continuidade prática garantida, tal como uma esteira ideológica adaptada ao que desse e viesse.

Desde 1963 o colonial-fascismo aumentou de intensidade os processos de ocupação de quadrículas e infiltração na 1ª RPM, numa batalha surda de domínio da informação e do reconhecimento, tirando partido da cortina envolvente da FNLA e dos zairenses agora sob o governo de Mobutu (e uma vez que a PIDE/DGS conseguiu colocar antenas próprias em Kinshasa, onde o Inspector Fragoso Allas foi colocado).

A PIDE/DGS procurou a partir de então instalar-se clandestinamente em Kinshasa tirando partido do Pacto Ibérico entre Salazar e Franco (as embaixadas de Espanha serviram para acoitar gabinetes de inteligência do colonialismo português) e os êxitos de suas pesquisas conduziram a que, já no âmbito do 25 de Abril, a parte africana da PIDE/DGS tivesse continuidade.

A PIDE/DGS beneficiou de gabinetes de inteligência dentro de embaixadas de Espanha no Egipto, na Tunísia e no Zaíre, sendo Kinshasa extremamente sensível dados os enredos com Mobutu e a FNLA; o “escritório de interesses” em Kinshasa teve como seu primeiro “diplomata” o Inspector da PIDE/DGS António Fragoso Allas, que mais tarde influenciaria fortemente, além do mais, nos enlaces do general António de Spínola com Mobutu (Zaíre) e Leopold Senghor (Senegal).

Alguns dos “catedráticos” do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas, ISCSPU, onde eram formados os oficiais da PIDE/DGS e dos SCCIA (Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola) tiraram partido dessa rede africana da PIDE/DGS para a reforçar.

O ISCSP deu-lhe continuidade no reaproveitamento não só do Exercício Alcora, mas sobretudo engrossando a capacidade diplomática e de inteligência para dentro sobretudo de Angola nos nossos dias.

Naquela altura (2ª metade da década de 60 do século XX), o acesso à 1ª RPM e a Luanda para o MPLA, a partir da rectaguarda na Zâmbia e por via das 3ª e 4ª RPM (rota Agostinho Neto), tornou-se cada vez mais difícil senão impraticável, dada a distância, os reforços do inimigo (com o Exercício Alcora) e a impossibilidade de prolongar por tempo indeterminado a surpresa inicial da mudança de paradigma estratégico do MPLA entre 1966 e 1970.

Se a guerrilha tivesse recebido em tempo oportuno armamento antiaéreo o domínio do espaço aéreo do Exercício Alcora não teria a mesma eficácia e a penetração teria ficado muito mais praticável; isso só não veio a acontecer devido à intransigente linha de Não Alinhamento activo por parte de António Agostinho Neto cioso de independência para lá da prossecução do Programa Mínimo do MPLA, conducente à autodeterminação.

Sintomaticamente e com um quadro da natureza do implantado pela tese colonial-fascista, a 13 de Março de 1966 (apenas ano e meio depois da independência da Zâmbia ocorrida a 10 de Outubro de 1964), foi fundada a UNITA em Muangai (nascente do rio Lungué Bungo), começando a infiltrar-se por todo o leste de Angola; Savimbi seguia mais uma deriva etno-nacionalista, que acabou por propiciar, a partir da implicação do general Costa Gomes, a “Operação Madeira” e a tentativa de contenção das progressões do MPLA na Frente Leste entre 1966 e o 25 de Abril de 1974, numa ementa que na Zâmbia e no Leste de Angola era geoestrategicamente similar ao papel da FNLA no Norte de Angola, tirando desde antes partido dos seus enlaces no Zaíre.

Com a abertura da 3ª RPM, o inimigo colonial-fascista não teve outra alternativa senão aprofundar os conceitos de ordem estratégica e tática, externa e interna, incidindo seus esforços cruciais sobretudo sobre a Frente Leste do MPLA (Zona Militar Leste da quadrícula espacial das FAP, abrangendo 400.000 km2).

Em termos de novos conceitos, as Forças Armadas Portuguesas reciclaram a seu modo (ao modo do general Fraser) os inerentes à guerra de contrassubversão de origem francesa (experiência colonial na Indochina e na Argélia), que obrigavam a rápidos movimentos de forças especiais e auxiliares (intervenção), para além da sua capacidade de ocupação em quadrícula, neste caso particularmente materializada na Frente Norte e na envolvência à 1ª RPM e Luanda.

Foi buscar às redes “stay-behind” da NATO (às linhas da acção do “Le Cercle”, onde as componentes “cristãs-democratas” francesa e alemã eram dominantes, já implicadas no reforço de inteligência e de armamento do “apartheid”), o manancial de meios indispensáveis (indústria de armamento da Alemanha, da França e da Itália, assim como material de guerra excedentário e obsoleto de outros países da NATO, como por exemplo algum equipamento aéreo proveniente dos Estados Unidos).

A assinatura formal do Exercício Alcora foi a 14 de Outubro de 1970, mas muitos enlaces e dispositivos já estavam antes em vigor.

Esse conceito foi aplicado sobretudo em etno-nacionalismos como os da Renamo e da Unita, tal como em unidades que se tornaram numa autêntica “legião estrangeira” do “apartheid”, como os batalhões 31 e 32 das SADF…

Implicou nesse procedimento transnacionais mineiras (como a Krup que detinha interesses na Companhia Mineira do Lobito, ou o cartel dos diamantes por via da De Beers, da Anglo American e da Lonrho, com interesses na Diamang), tirando partido das suas ramificações estratégicas na África Austral, sincronizadas com as actividades dos serviços de inteligência do Pacto Ibérico, do “apartheid” e do regime de Ian Smith, assim como com algumas das actividades das inteligências de países seus aliados na NATO.

Reforçou a economia, passando da exploração do café (em função da estratégia de ocupação no norte), para a exploração de petróleo (onde ia buscar receitas para a guerra) e de diamantes (defendendo a todo o custo a Diamang, face ao impulso da 4ª RPM e a todo o tipo de riscos de fronteira).

Tirou partido dos recursos da nascente burguesia financeira portuguesa (Champalimaud e grupo Mello), a fim de agilizar capacidades de inteligência, em especial no Malawi e na Zâmbia (agenciamento de Jorge Jardim).

Implantou de forma vigorosa o Exercício Alcora, internacionalizando os enlaces com as forças do “apartheid” e do colonialismo britânico na Rodésia, por via do exercício da independência unilateral do regime de Ian Smith.

Impulsionou a formação de agrupamentos de Forças Especiais capazes de amplas intervenções em guerra assimétrica de movimento, articulando esse movimento com o emprego de Forças Auxiliares de recrutamento angolano (e moçambicano).

Implantou “sanzalas da paz”, onde, sob confinamento, procuraram furtar ao contacto com os guerrilheiros do MPLA as comunidades residentes nos territórios das suas Regiões Político Militares, ao mesmo tempo que aplicaram com intensidade a propaganda e a contrapropaganda da Acção Psicológica (“A-Psic”).

Nesse quadro, tudo foi revisto pelas forças colonial-fascistas, desde uma mudança radical e profunda na abordagem das doutrinas de contrassubversão dos processos de formação de quadros, de inteligência, contra inteligência, tratamento de dados, fortes alterações na organização, estrutura e formação operativa, enquadramentos sociopolíticos e de natureza antropológica, integração de janelas neocoloniais (caso de Savimbi e da UNITA, por via da Operação Madeira e da artificiosa FLEC comandada por Alexandre Tati), enquadramento de forças de origem de países limítrofes (os “Fieis” e os “Leais”) e capacidades de execução no quadro socio-administrativo, nos SCCIA, da PIDE/DGS, nas Forças Armadas Portuguesas e de suas conexões no quadro do Exercício Alcora (tirando também partido do Pacto Ibérico, entre Salazar e Franco, em especial nas representações diplomáticas em África).

Feita a reconversão entre 1963 e 1967, desencadeou paulatinamente uma contraofensiva ao desafio da antítese MPLA na Frente Leste, de forma a garantir a defesa dos interesses aglutinados nos termos duma internacional fascista com expressão, apesar das contradições internas, duma superestrutura ideológica de tendência democrata-cristã, liberal e com franjas social-democratas (todas correntes “anticomunistas” dispostas a alimentar o argumento da “Guerra Fria”), antevendo a introdução de iniciativas neocoloniais a médio, longo e muito longo prazos (caso da manutenção do esforço de inteligência africano ainda que houvesse o Movimento das Forças Armadas que levou a cabo golpe do 25 de Abril de 1974 em Portugal).

Um dos resultados desse esforço foi o incremento de contraditórios internos no âmbito da internacional fascista, tendo em conta os ingredientes da superestrutura ideológica inscritos no seio do Exercício Alcora (essa foi uma das razões da escolha do nome “exercício”, ao invés de pacto, acordo ou tratado).

O trabalho do professor Gerald J. Bender sobre esses contraditórios expõe evidências duma substantiva “zona cinzenta” em disputa: a do próprio povo angolano e essa exposição é também sensível para se perceber a fermentação divisionista, regionalista e tribalista que conduziu ao fraccionismo que iria levar a cabo a tentativa do 27 de Maio de 1977.

 

14– O professor Gerald J. Bender, em “Angola sob o domínio português, mito e realidade” expõe os contraditórios históricos e antropológicos inerentes ao colonial-fascismo em Angola, desembocando nos contraditórios resultantes da aplicação dos conceitos sociopolíticos de última hora (africanização da guerra e guerra contra a subversão conforme aos conceitos orientados pelo general Charles Alan “Pop” Fraser e pelo “Le Cercle”).

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Angola Sob O Domínio Português – Mito E Realidade – Gerald J. Bender – O presente estudo de Angola sob o domínio português é um exame do papel luso-tropicalismo na formulação da política e legislação relativas à interacção racial, os objectivos desta política e à maneira como foi executada por portugueses locais, desde o tempo da chegada inicial à colónia, no final do século XV, até à independência de Angola, em 1975. – https://www.angola-books.com/p1/angola-sob-o-dominio-portugues-mito-e-realidade

Essa exposição é também importante como uma das pistas para melhor se aperceber como fermentaram os etno-nacionalismos, como eles se definiram e afirmaram, qual o seu carácter, quais os seus horizontes, objectivos e a natureza das proposições neocoloniais que com eles se propunham as teses do imperialismo em vias de se tornar “hegemon”.

O inventário-balanço que ele faz na terceira parte, “A dominação racial” – ponto 6 – A resposta em tempo de guerra aos civis africanos: o dilema do desenvolvimento versus controle” é importante porque mergulha na crítica fundamentada aos processos sociopolíticos do colonial-fascismo quando aplicou os conceitos de acção psicológica e de guerra contra a subversão disputando a população no âmbito de sua tese, algo que os intelectuais portugueses se têm vindo a esquivar, como se esquivam do historiador René Pélissier quando ele avança no discernimento entre movimento popular de libertação em África e etno-nacionalismos.

O que o professor Gerald J. Bender aprofunda em relação às conjunturas do reordenamento de populações em Angola, resulta num conjunto de dados que indicam que a internacional fascista estava em perda total em toda a África Austral e estava de facto a disputar num apertado contrarrelógio que dialética e temporalmente era a favor do progressismo moderno do movimento de libertação em África.

Para o tempo de caducidade da internacional fascista na África Austral, nem sequer o recurso neocolonial aos etno-nacionalismos seriam suficientes para travar as capacidades de vanguarda do movimento de libertação em África, conforme ao pensamento estratégico do Presidente António Agostinho Neto e conforme o demonstra Gerald J. Bender.

Por via do professor Bender, há conclusões insofismáveis, que os três seguintes parágrafos nos trazem à compreensão, do muito que foi debatido e há por debater:

“A política que veio efectivamente a ser aplicada representava uma série de tentativas para conseguir um compromisso entre as filosofias opostas do desenvolvimento e do controle. Infelizmente, o impacte global dos programas de repovoamento maciço destinava-se apenas a perpetuar o sistema colonial que colocava os interesses e a segurança dos brancos acima dos africanos. Na sua maioria, os dirigentes portugueses viam a situação em termos de um jogo de ganha-perde, em que os benefícios para um grupo racial haviam de ser obtidos à custa do outro; e, entre os brancos, raramente se duvidava de que os seus interesses eram sempre prevalecentes.

Sérias objecções foram postas aos programas de repovoamento por altos responsáveis do exército, do funcionalismo e da política, especialmente entre 1967 e 1969, quando se deu uma expansão maciça dos programas. O Conselho Geral de Contra-Subversão de Angola efectuou nesta altura duas séries de reuniões durante as quais se apresentaram relatórios confidenciais acerca do estado concreto de todos os esforços de contra-subversão. Muitos desses relatórios são citados no presente estudo a fim de se ilustrar o alcance total dos debates oficiais sobre as medidas relacionadas com os africanos rurais durante a guerra.

A ruptura generalizada que o povoamento causou na Angola rural sugere a necessidade de um cuidadoso exame da sua história, natureza e pressupostos. Embora o repovoamento não tenha conseguido travar ou mesmo atenuar a subversão, as mudanças radicais que provocou nas sociedades tradicionais foram tão profundas que a Angola rural nunca mais será a mesma. Assim a reinstalação das populações não só é analisada como uma estratégia de contra-subversão, como ainda se discute em termos das suas implicações para o período de reconstrução e desenvolvimento na Angola independente.”

… O conhecimento do professor Bender sobre a evolução das contradições internas do colonial-fascismo em Angola foram provavelmente muito mais acutilantes que as que os militares do “apartheid” fizeram à actuação portuguesa desde os preliminares do Exercício Alcora e sobretudo desde o seu empenho na Operação Bombaim que começara em Junho de 1968!…

O trabalho que ele realizou é um indicativo de qual seria a extensão de recursos humanos que estavam à disposição do manancial de mobilização dum etno-nacionalismo como o da Unita, com base numa “zona cinzenta” pródiga de tensões e contradições que se estende até nossos dias, particularmente nas imensas regiões rurais do país, onde o subdesenvolvimento crónico persiste dando corpo a enormes assimetrias com os mais elevados índices de miséria e, por vezes até de fome…

MEMÓRIA DA “HISTÓRIA DE ANGOLA” PUBLICADA EM ARGEL EM JULHO DE 1966 – CENTRO DE ESTUDOS ANGOLANOS – GRUPO DE TRABALHO HISTÓRIA E ETNOLOGIA.

EXTRACTO DA ÚLTIMA PARTE, “COMENTÁRIO FINAL”.

 

“… Atrás do colonialismo português, feroz e moribundo, há o domínio económico dos outros países capitalistas. A economia dominada pelos monopólios internacionais ligados aos monopólios portugueses. A liquidação completa do colonialismo e do neocolonialismo significa a liquidação do poder dos monopólios portugueses, mas também a liquidação do poder dos monopólios internacionais sobre a economia e sobre o povo de Angola. Enquanto a economia angolana estiver sujeita aos monopólios e aos interesses imperialistas, Angola não poderá sair da situação de país subdesenvolvido e o povo continuará a ser explorado.

Para lutarmos contra estas formas de exploração, precisamos de coragem, de paciência, de dedicação e consciência política. A história de Angola fornece-nos as lições de coragem e dedicação que o povo angolano foi sempre capaz de dar. Mas a história de Angola fornece-nos também o carácter da nossa sociedade, diz-nos onde está a sua força ou a sua fraqueza: ela explica porque é que alguns povos angolanos umas vezes foram grandes lutadores e outras vezes estavam fracos e deixavam-se levar pelo colonialismo”

 

25 de Junho de 2021.

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  1. […] (Continuación de Angola, ruptura, liberación y vida – III) […]

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