Fricciones en cascada. Martinho Júnior
ATRITOS EM CASCATA
DESDE AS BOMBAS ATÓMICAS LANÇADAS SOBRE HIROSHIMA E NAGASAKI QUE A IIIª GUERRA MUNDIAL ESTÁ EM CURSO, EM JEITO DE GEOMETRIA VARIÁVEL E AS CHAMADAS GUERRAS HÍBRIDAS…
COM A MUDANÇA DE PARADIGMA MULTILATERAL, A RÚSSIA COMEÇOU A ASSUMIR A SUA IIª GRANDE GUERRA PÁTRIA.
O poder dominante que se cristalizou em “hegemon” unipolar, até agora foi bárbara e arrogantemente exercido sobre o que foram sendo consideradas na gíria da arrogância de “repúblicas bananas”, que opuseram resistências variáveis, localizadas, com umas poucas vitórias que não puseram contudo em risco o império, o seu cortejo de vassalos e a sistematização do seu exercício cada vez mais distante da Carta das Nações Unidas.
A lógica do complexo militar-armamentista foi-se tornando preponderante no “hegemon” dominante, apesar do alerta de Dwight David “Ike” Eisenhower e desde os contenciosos com Gorbatchev agravados pela “era” Ieltsin, que essa lógica se tornou (neo)liberal nos seus moldes que incluíam a propaganda massiva além da economia e das finanças e (neo)nazi na sua expressão no âmbito das regras impostas nos relacionamentos internacionais, que agora ficam mais expostas com a russofobia e o “apartheid global” enquanto seu nutriente ideológico.
Bastou a emergência multilateral soprar mais forte no imenso continente euroasiático contudo, para que face a um desafio cada vez mais explícito, o “hegemon” se decidisse a tirar partido dos “avanços” conseguidos pelo zombi-híbrido UE/NATO na direcção leste, para, como a “cereja em cima do bolo”, ainda que tivessem saído frustradas muitas das provas anteriores, a Federação Russa começasse a ser também tratada como mais uma “república das bananas”!
Para tal a manobra na Ucrânia foi sintomática: o regime instalado pelo golpe de estado Euro Maidan em Kiev, prefigura uma “república das bananas” totalmente dependente de Washington e de Londres, a ponto de levianamente contrariar os outros vassalos europeus (Berlim, Paris, Roma…) e “rebocar” a própria NATO nas suas mais agressivas motivações!…
De atrito em atrito (incluindo atritos intestinos), o “hegemon” unipolar começa a ser remetido a uma cada vez mais fragilizada defesa estratégica, pois alimenta seu ego numa cascata de ilusões, provocações, tensões, contradições e artificiosos conflitos que, em relação à Rússia e às suas fronteiras, começaram nas duas guerras da Chechénia que ocorreram entre 1991 e 2007 e desembocaram por fim na Ucrânia do após golpe de estado de 2014 na Praça Maidan em Kiev.
Desde as guerras na Chechénia que os atritos em cadeia se foram sucedendo contra a Rússia nas suas fronteiras sul e ocidental, envolvendo em tempos distintos e numa “primeira linha” alguns dos novos estados surgidos da decomposição implosiva da União Soviética, do Cazaquistão à Geórgia, da Geórgia à Ucrânia e numa segunda linha por via de países que tendo tido estados socialistas, tiveram um papel no Pacto de Varsóvia até à sua abolição.
A Rússia detentora de imensas fontes de matérias-primas que têm como vector principal produtos energéticos como o petróleo e o gás, sabe que a geoestratégia está a seu favor, face a um zombi-híbrido animado de valores especulativos, sem matérias-primas no seu solo, com um deficit crónico de petróleo e gás baratos e carregado de contradições!
O esforço multilateral e Não-Alinhado euroasiático esbateu na Ásia Central e no Médio Oriente Alargado esses atritos em cascata socorrendo-se das capacidades energéticas, conforme a contenção que a Rússia estimulou na Síria e no Irão, mas a evolução cada vez mais remetida à defensiva do génio do “hegemon” unipolar, está a obrigar que a Europa, o extremo ocidental do imenso continente EurÁsia, se empertigue fanaticamente em toda a linha, de novo como “carne para canhão” do poder dominante de cultura anglo-saxónica, herdeira do largo espectro do império colonial britânico e mentora do zombi-híbrido UE/NATO!
Se a “primeira linha” desse zombi-híbrido UE/NATO passou a ser formada pelos estados que haviam feito parte do ocidente da União Soviética, descaradamente absorvidos pela “dilatação” em direcção a leste (Estónia, Letónia, Lituânia, Ucrânia e Geórgia, estes dois últimos a preencher o “fecho da abóbada” como estados em vias de absorção formal. Mas já absorvidos de facto), a “segunda linha” é formada pela Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Roménia e Bulgária, ex membros do extinto Pacto de Varsóvia, além das repúblicas dos Balcãs ocidentais, surgidas da destruição pela NATO da Jugoslávia, tal como a Albânia e a “terceira linha” formada pelos membros originais da NATO, tendo o Reino Unido, a Alemanha reunificada e a França como suas componentes consideradas como as mais decisivas, subordinadas ao Pentágono que além do mais mantém bases e efectivos próprios de ocupação da Europa fora do âmbito da Organização Trans-Atlântica.
A entrada da UE/NATO nesses estados foi correndo assim temporalmente de forma progressiva: a 12 de Março de 1999, a fornada da República Checa, Hungria e Polónia, depois a da Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Eslováquia e Eslovénia (em Março de 2004) e por fim, em Abril de 2009, a Croácia e a Albânia, preparando as mentalidades arregimentadas para a exclusão e a agressão.
A Rússia passou a ser ameaçada no Cáspio, no Mar Negro e no Báltico, de acordo com a perspectiva dum olhar euroasiático voltado à progressão UE/NATO desde o extremo ocidente.
No Cáspio a progressão dos esforços emergentes e multilaterais tornaram a situação favorável nas fronteiras da Rússia, possibilitando cada vez mais intercâmbios económicos, financeiros e multiculturais, embora mesmo assim isso fosse feito com algumas ameaças em geometria variável; à medida que o Irão ganhava autodeterminação, independência e soberania económica e financeira e o espectro antropológico-cultural turco se inclinava para o “ganha-ganha” voltado para o seu imenso espaço antropológico-cultural, a consolidação da paz ao abrigo da Carta das Nações Unidas vai-se concertando.
O caudal energético de petróleo e gás de baixo custo a oriente da Turquia acresce-se às influências de atracção de âmbito histórico e antropológico, motivada desde a profundidade das Novas Rotas da Seda e as implicações estruturais que elas promovem.
Neste momento as posições da Turquia e da Rússia aproximaram-se por que em ambos os casos o nutriente é a antipatia pelo “ocidente” que alimenta a exclusão e não dispensa a provocação e a agressão, particularmente contra o tandem-reitor Washington-Londres!
A posição da Rússia ao ajudar a Síria foi importante por fim para a gradual pacificação em torno do Cáspio, influindo directamente na evolução do Médio Oriente Alargado para dentro do campo dos relacionamentos multilaterais, o que foi relativamente acelerado com a saída das forças estado-unidenses e de seus vassalos do Afeganistão.
A ocidente a Rússia, aspirando à segurança vital comum com toda a Europa a oeste dos Urais, acabou por ver seus planos defraudados pelos tentáculos da hegemonia unipolar, do Mar Negro ao Báltico, com responsabilidades maiores para o Pentágono e a NATO.
O actual contencioso de libertação da Ucrânia do espectro golpista liberal-nazi surgido por via da Euro Maidan, está a ser dialeticamente importante para os parâmetros da multilateralidade em torno do Mar Negro e um dos aspectos mais importantes é a atracção da própria Turquia aos ventos multilaterais saudáveis que sopram desde o leste da EurÁsia.
A Turquia está a tornar-se na componente mais esquiva à UE/NATO nos termos dos atritos em cascata que se sucederam contra o multilateralismo Não-Alinhado da Rússia desde o início da década de 90 do século passado, já estão perfeitos trinta anos.
Se o litoral do Mar Negro se continuar a reduzir para o zombi-híbrido UE/NATO, afectando a “primeira” e a “segunda” linha do contencioso a leste, a Turquia penderá cada vez mais para o multilateralismo euroasiático e por isso, pode estar à beira de sair da Organização Trans-Atlântica, tentáculo da hegemonia unipolar.
A libertação não só do Donbass, mas dos territórios que um dia compuseram a Nova Rússia duma Ucrânia tornada por via do golpe Euro Maidan de 2014 numa plataforma liberal-nazi, é sensível a sul do Mar Negro em relação a uma Turquia de fronteira, além do mais com uma contracosta sobre o Mediterrâneo Oriental colada à Síria onde as bases russas são efectivamente de carácter geoestratégico.
De facto como Wasington e Londres não pretendem que Kiev parta para novas conversações numa situação desfavorável, à Rússia não vai bastar a libertação do Donbass!…
Com a geoestratégia russa no Mar Negro, a Turquia está a derivar mais rapidamente para a emergência multilateral que a aspira a leste num espaço cultural que passa pelo Azerbeijão e o Turcomenistão (Ásia Central).
Os atritos em cascata em torno do Mar Negro tendem portanto a registar avanços a favor da multilateralidade e por isso, em termos decisivos, indicia-se a última grande disputa geoestratégica: o Báltico.
Dentro da Rússia, por via duma densa rede de rios e de canais, o Báltico, o Mar Negro e o Cáspio estão interligados a ponto de influírem nos sistemas inteligentemente articulados da segurança vital interna a oeste dos Urais, face ao seu exterior imediato e próximo, abrangendo directamente a Ucrânia, a Polónia e as três Repúblicas Bálticas, com a Bielorrússia a seu favor.
A Bielorrússia enquadra-se quase como um “ariete” continental entre o Mar Negro e o Báltico impulsionado desde o leste.
É essencialmente na via do Báltico que o zombi-híbrido UE/NATO tem tendência para multiplicar as provocações em toda a linha e de forma multifacetada, desde o congelamento do Nord Stream II, ao entrosamento polaco-ucraniano cada vez menos difuso, até à tentativa de integração da Suécia e da Finlândia na NATO (até agora frustrada pela Turquia e Croácia) e, por fim à manobra do corte ferroviário cumprindo com sanções a mercadorias, nos acessos por terra ao território russo de Kaliningrado levado a cabo pela enfeudada Lituânia…
Se esta medida não for anulada, pela União Europeia e a Lituânia, ela está a ser entendida como uma autêntica declaração de guerra à Rússia.
A evolução dos atritos em cascata do Mar Negro para o Báltico pode apresentar-se num horizonte próximo como uma deriva mais decisiva que os atritos correntes, pondo mais em cheque a Alemanha e testando a liderança alemã entre os outros pares (França e Itália).
A segurança vital comum está longe de ser alcançada e a manobra de libertação da Europa indicia cada vez mais começar-se a desenhar, a partir dum estágio de inflacionárias fragilidades económicas e financeiras em cadeia dentro do espaço físico-geográfico da UE/NATO, ou seja, começa a estar nas mãos dos povos europeus saber lidar com a cascata de atritos, fugindo à bárbara pertinência de suas oligarquias vassalas da hegemonia unipolar e começar a marcar o seu destino na mudança de paradigma emergente e multilateral, em ruptura com a armadilha em que a Europa está a cair ainda com a memória latente da IIª Guerra Mundial.
A Rússia não tem pressa em tomar decisões pois em todos os tabuleiros a fortaleza anímica, o tempo, a geoestratégia, a economia e a tecnologia, tendem a apresentar-se a seu favor em termos de mudança de paradigma!
Quanto mais contradições houver no campo da farsa “democrática”, mais a Rússia contribuirá para a libertação de toda a Europa dos liberais-nazis!
Círculo 4F, Martinho Júnior, 25 de Junho de 2022.
Imagem: Mapa do Báltico num artigo que corresponde à sensibilidade turca, com destaque para Kaliningrado – https://www.aa.com.tr/en/europe/kaliningrad-at-center-of-new-crisis-between-russia-and-west/2622091#