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ÁFRICA, DA INÉRCIA À CATÁSTROFE

PARA ÁFRICA, HOJE JÁ É TARDE DEMAIS!

1- Todos os indicadores sobre África, ao invés de revelarem indício de algum renascimento, remetem-nos para leituras crónicas que muito têm a ver com a inércia, a catástrofe e a morte.

Os indicadores integrados, que abrangem sobretudo as questões de largo espectro relativas ao relacionamento do homem com o ambiente que o cerca no espaço físico-geográfico continental, são os mais críticos e conferem-nos uma certeza: África testemunha nas suas próprias entranhas vitais a aceleração da degradação da Mãe Terra e torna-se no mais incontrolável factor de desequilíbrio, à beira dum dramático abismo, onde o futuro é apenas uma garantida aridez que tem tudo a ver com uma incandescente catástrofe!

Em África há a imparável expansão dos desertos quentes

Vista a situação nesses termos, a hegemonia nos seus propósitos de domínio “promoveu” em África uma manipulada plataforma, que lhe permitirá garantir invulnerabilidade às suas incomensuráveis capacidades de ingerência neocolonial em curso!

De facto há duas questões de invulnerabilidade fundamentais a considerar entre outras nos termos gerais da responsabilidade humana nos processos correntes da hegemonia unipolar do império em África:

A primeira é que é o capitalismo o factor exclusivo que levou ao actual estado de degradação sem apelo nem agravo, pois após o colapso do campo socialista no princípio da década de 90 do século passado, não existe outro modo de vida nos relacionamentos internacionais e nas múltiplas implicações de seu tão desajustado “ordenamento”.

O segundo é que os Estados Unidos incrementaram seus vínculos em África numa escala sem precedentes, consumando o advento do seu comando regional desde o princípio do século XXI, preocupando-se com todo o tipo de ingerências e manipulações, mas pouco se preocupando com as questões que se prendem aos relacionamentos homem-ambiente no continente-berço.

Nesse sentido, conferiu ao AFRICOM um papel que levou à disseminação militar de pequenas unidades sobretudo no imenso Sahel (a maior região de expansão dos desertos quentes em África), mas também insuflou-lhe capacidades civis determinantes na sua presença em múltiplos sectores de actividade, inclusive em amplas áreas rurais afectadas.

África está incapaz por si só de vencer a inércia que leva a essa incineração em aridez, em termos da relação homem-ambiente, pelo que o agenciamento de suas elites pressionadas à assimilação com os ajustes implícitos nas políticas de “soft power” que respondem aos expedientes da hegemonia, é para elas uma espécie de garantia única de sobrevivência face aos enredos de caos e terrorismo que as cercam e agora têm inexoravelmente de enfrentar!

Na África do oeste, os expedientes neocoloniais típicos da “FrançAfrique” são por demais evidentes, impondo-se um Franco CFA responsável pela canalização anual de 440 mil milhões de euros para “engrandecimento” do território “metropolitano”!

Por essa razão as elites africanas tornaram-se tão “pródigas” nos termos social-democratas tanto na sua autodefinição como da interpretação que fazem dos fenómenos, ou seja, no que à superestrutura ideológica diz respeito.

Desse modo a expansão do radicalismo islâmico que conduz ao caos e ao terrorismo, conta com uma enorme capacidade de expansão que acompanha a expansão dos desertos quentes no norte do continente e a migração forçada de milhões de africanos.

A psicologia do terrorismo e do caos expandida em largos substractos humanos, provoca um medo que tem no próprio ambiente um fermento útil, expandindo-o numa espiral incontrolável.

A região do Sahel, embora o paliativo da construção dum “muro verde”, ao ser atingida em cheio pelos fenómenos de desertificação e de degradação dos solos, é onde o jihadismo do islão sunita-wahabita radical encontra seu terreno fértil de manobra pressionante, quer na direcção do Mediterrâneo, quer em direcção a sul, fluindo com a gravidade das migrações.

A guerra psicológica em África, conta com esse tipo de ingredientes, pelo que as alienações, ilusões e mentiras inerentes aos processos e expedientes dominantes podem por isso operar numa base de “soft power” aferida à superestrutura ideológica social-democrata das elites que dominam os tão vulneráveis estados, em especial desde que se provoque uma situação fulcral…

O que se provocou com o ataque dos Estados Unidos e da NATO à Líbia em 2011, permitiu a rápida expansão do caos e terrorismo por todo o Sahel em violentas ondas que não mais foram paradas, numa altura em que os desertos quentes estão em expansão em África e a água interior se vai reduzindo, provocando a migração da miséria nos vastos cenários do Sahel, em toda a transversal continental, entre o Atlântico e o Índico.

No momento em que o Lago Chade se reduz na sua superfície a cerca de 10% em apenas 40 anos, ganhou o Boko Haram na ardência dum desespero ilimitado, o seu santuário “natural”.

Adeus Lago Chade (em apenas 40 anos)

2- A consciência dos países de climas frios sobre a situação que está a prevalecer em África, ainda que fundamentada em conhecimento científico que cada vez mais se vai comprovando, está longe de associar as amplas e profundas razões causais, sendo incapaz de perceber que em África, os fenómenos que se implicam na barbárie e na guerra, têm tudo a ver com uma dialética entre contrários exclusiva ao continente africano.

Há um contraditório pungente entre as enormes regiões onde os maiores desertos quentes do globo inexoravelmente se expandem e as regiões ricas em biodiversidade debaixo de cada vez maior compressão, provocando que as tensões cresçam nas áreas propícias à biodiversidade, acelerando a degradação numa escala que se começa a aproximar, em termos de perdas, da ordem geométrica.

Milhares de espécies vegetais e animais desaparecem em África irreparavelmente, sem hipótese de se fazer parar esse catastrófico ciclo de morte.

Os impactos sobre os países pobres no que diz respeito ao aquecimento global é segundo alguns, 20 vezes mais degenerativo que nos outros, pelo que a ideia da passagem da inércia à catástrofe corresponde não só à sua própria impotência, mas também à impotência dos outros em socorrer África na escala que ela efectivamente necessita, ao nível dos desafios que tem imperativamente de vencer numa corrida contra o tempo que para tantas espécies já está perdida!

O ciclo interminável de guerras que afectam as regiões ricas em biodiversidade e onde o espaço vital dá outras garantias de sobrevivência ao homem tem razões causais, qualquer delas longe sequer de serem abordadas, apesar de elas serem tão determinantes e terem implicações tão fortes no futuro.

Relacionamento entre alterações climático-ambientais, as migrações humanas e a diminuição ou aumento da densidade populacional em África

Tenho levantado como muito premente a necessidade de se introduzir uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, com base no relacionamento do homem com o espaço ambiental e físico-geográfico, levando em conta a necessidade de preservação das fontes de água interior, todavia as ideologias social-democratas afeiçoadas aos processos neocoloniais em curso, ao sabor dos interesses da hegemonia, fogem ao tema, “como o diabo foge da cruz” e eu assemelho-me a um eremita a pregar no deserto!

Os Grandes Lagos africanos estão a ser contaminados, por via de processos de industrialização, alguns deles referentes à mineração de ouro, ao mesmo tempo que aumentou exponencialmente a pesca comercial ilegal, por abandono da pesca artesanal de subsistência.

Contaminação devido a mineração e a pesca comercial ilegal em enormes proporções, passaram a influenciar a vida desde os Grandes Lagos às águas do Nilo, Sudão e Egipto adentro…

A perca-do-Nilo ao ser introduzida, diminuiu as espécies autóctones e, por outro lado, as águas foram invadidas por tapetes de jacinto-de-água, uma espécie lacustre proveniente da América, que embora esteja a ser combatida, ainda é muito profusa, invadindo vastas extensões nas margens.

Por outro lado, devido às secas, os Grandes Lagos estão a diminuir a cubicagem de água.

A crescente população que se concentra em torno dos Lagos (sobretudo em torno do Lago Vitória), deixou de se dedicar à agricultura e pesca de subsistência para se dedicar à mineração, à pesca comercial, ao comércio e outras actividades afins, sem qualquer tipo de controlo.

À volta do Lago Vitória, a densidade populacional é 5 vezes superior à registada em 1960.

Em 1960 a densidade demográfica era de cerca de 50 habitantes por quilómetro quadrado em torno do Lago Vitória e neste momento, é de 5 vezes mais…

Para África, hoje já é tarde demais!

Martinho Júnior.

Luanda, 27 de Abril de 2019

(Imagen de portada: Migrações humanas em África, numa escala sem precedentes)

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